O duelo entre Davi e Golias geralmente é visto como a vitória do pequeno contra o grande, do fraco contra o poderoso. Virou uma metáfora freqüente no futebol, no boxe, etc., e se mistura ao conceito da vitória do pobre contra o rico, do oprimido contra o opressor, etc.
O episódio (no 1o. Livro de Samuel) pode ser visto de outra forma. Davi matou Golias com uma pedra arremessada por uma funda, sem ter que se arriscar entrando no raio de ação das armas do adversário. Sua vitória é simplesmente a vitória do duelista que possui armamento superior, tecnologia superior. É a vitória do mais moderno, que usa a tecnologia de forma eficaz, e com isto reverte uma situação de aparente desvantagem material.
Uma objeção pode ser levantada: a de que a tecnologia do guerreiro filisteu era superior à do pastorzinho israelita. Afinal, a Bíblia descreve com detalhes o capacete, a couraça, as botas e o escudo usados por Golias (todos de cobre), e sua lança de ferro. Era decerto a melhor tecnologia disponível na época, senão Golias não sairia a provocar o exército de Israel, dizendo que se algum israelita o derrotasse os filisteus concordariam em deixar-se escravizar. Por outro lado, a funda de Davi era uma arma tradicional, que naquele tempo já estaria sendo usada há milhares de anos sem modificações. Um pedaço de couro amarrado a duas tiras, e cinco pedrinhas redondas: uma arma de baixa tecnologia, portanto.
Isto recoloca a questão nos seguintes termos: tecnologia superior não é necessariamente a mais recente, a mais cara, a de maior potencial quantitativo. É a tecnologia mais eficaz para uma situação específica. Qualquer pessoa sabe que a tecnologia superior para matar uma barata não é um revólver, é um chinelo. Nos últimos cem anos, vimos inúmeros exemplos de guerrilhas que derrotam exércitos com tecnologia mais poderosa, mas inadequada para o terreno, o clima, a distribuição de forças, etc. Na Bíblia, Davi chega a experimentar, antes do combate, armamento similar ao do gigante, mas desiste: “E Saul vestiu a Davi das suas armas e pôs sobre a sua cabeça um elmo de cobre, e o guarneceu de couraça. Cingido pois Davi com a espada de Saul sobre seus vestidos, começou a ver se poderia andar assim armado: porque não estava acostumado. E disse Davi a Saul: Eu não posso andar assim, porque não tenho uso disso” (I Samuel, 17, 38-39).
A vitória de Davi é a vitória do duelista que consegue evitar o choque em condições que favorecem o adversário e sua tecnologia, e dá um jeito de travar o combate de tal maneira que sua própria tecnologia, aparentemente inferior, revela-se como a única eficaz. Não é uma simples vitória do “pequeno” contra o “grande”, a qual acaba sempre sendo vista em termos meios românticos como uma prova de que os fracos podem derrotar os fortes. É a vitória da tecnologia mais eficaz e do planejamento, e isto tanto pode ser posto em prática pelos pequenos quanto pelos grandes.
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