C. S. Lewis, autor das Crônicas de Narnia era um persuasivo defensor da fé cristã, com argumentos que com freqüência lembram os de G. K. Chesterton, outro convertido na idade adulta. Numa carta a seu amigo Sheldon Vanauken, em 1950, Lewis escreveu:
“Por que os peixes não se queixam de o mar ser úmido? E, caso o fizessem, isso não seria um forte indício de que eles não tinham sido, ou não seriam para sempre, criaturas aquáticas? Vejam como nós nos surpreendemos o tempo inteiro com a passagem do tempo. ‘Como o tempo voa! Olhem só, Harry já ficou adulto, e se casou! Parece incrível!’ Meu Deus, porque agimos assim? Talvez, sem dúvida, pelo fato de que existe em nós alguma coisa que não pertence ao domínio do Tempo”.
Essa coisa a que Lewis se refere é sem dúvida a alma imortal, postulada pela fé. Sendo do domínio espíritual, nossa alma talvez partilhe da ubiqüidade cronológica da Divindade, da sua capacidade de ver a Eternidade inteira à sua frente, sem fluir, sem passar.
Nosso corpo está sujeito aos processos de crescimento, amadurecimento, velhice, morte e dissolução; mas a alma está fora do tempo, intacta, inatingível.
O mesmo argumento, no entanto, pode ser usado para distinguir o mundo do Corpo e o mundo da Mente (em vez do mundo da Alma). Não discutirei aqui a existência da Alma, grave problema filosófico que não foi solucionado até hoje e não serei eu a fazê-lo num artigo de três mil toques. Mas acho que nosso conceito de Tempo é contraditório e cheio de paradoxos porque experimentamos a cada instante duas faixas de Tempo totalmente diversas: o tempo do corpo, e o tempo da mente.
O tempo do corpo é irremediavelmente cronológico (perdoem a redundância). Flui numa única direção, do passado para o futuro, e está submetido aos mesmos processos físicos e químicos que governam os animais, as plantas, a matéria inorgânica, os planetas. O tempo do corpo é uma seta que aponta e se alonga sempre na mesma direção.
O tempo da mente, no entanto, como a memória RAM dos computadores, uma memória de acesso aleatório. Numa fração de segundo podemos reconstituir imagens de um passado remoto ou conjurar imagens irrealistas e fantásticas de algo não-existente e nunca-antes-imaginado.
É como se o nosso corpo fosse um transatlântico singrando o oceano em linha reta, mas dentro dele a nossa mente fosse um indivíduo que vai de um convés a outro, corre para a popa e depois para a proa, desce aos porões, sobe ao mastro mais alto...
Ou seja: mesmo presa ao trajeto retilíneo do corpo que a abriga, a mente parece desfrutar de uma aparente liberdade em relação ao tempo, movendo-se, de acordo com sua vontade, para a frente, para trás ou para os lados.
Se isto é um mero processo eletroquímico que ocorre nas células ou se é sinal da presença de uma alma, eu não sei. Perguntem a C. S. Lewis, pois a esta altura ele já viu a resposta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário