A imprensa mundial divulgou nos últimos dias algumas medidas
de censura tomadas pelo governo da China. Medidas meio absurdas.
Toda censura é absurda, é claro, pelo menos do ponto-de-vista
do purismo intelectual, que nos leva a imaginar um mundo sem defeitos, onde
todo mundo pudesse dizer o que bem entende sem ser punido. Mas, se por um lado
dá para entender por que os comunistas chineses proíbem A Revolução dos Bichos de George Orwell, não é tão óbvia a censura
aos livros infantis que têm como personagem o ursinho Winnie The Pooh.
Esta eu só entendi quando vi esses memes que circulam,
mostrando o Onisciente Líder Universal da Glória Sempiterna do Pujante Império
do Meio, Xi Jinping, ao lado do síndico norte-americano na época, Barack Obama.
Mais incompreensível ainda foi a notícia de que o mesmo
governo proibiu a letra N.
De início fiquei em dúvida se existe a letra N no alfabeto
chinês, que é do tipo ideogrâmico. Depois, no entanto, a imprensa esclareceu.
O governo da China havia anunciado há pouco tempo que o
mandato do atual presidente pode ser estendido indefinidamente, sem necessidade
de novas eleições. E aí começaram a pipocar na web artigos e postagens dizendo
que Xi Jinping iria governar por “n” anos. Resultado: proibiu-se o uso da letra
como símbolo matemático de quantidade indeterminada, como já expliquei “n”
vezes aqui nesta coluna.
Dias depois a censura ao “n” foi cancelada. Por enquanto.
Absurdo? Pode ser, mas é um absurdo com continuidade.
Em 2005 o governo da Turquia aplicou multas em quem usou, em
cartazes erguidos nas celebrações de Ano Novo, as letras K e W, que não fazem
parte do alfabeto oficial da Turquia.
Em seu esforço para se integrar à Europa, a Turquia trocou
em 1928 a escrita arábica pela escrita ocidental, e neste processo as letras K
e W não foram incluídas. As pessoas multadas (no equivalente a 75 dólares cada
uma ) eram curdos, de uma região notoriamente indócil ao governo.
Devemos lembrar que aqui no Brasil as letras K, W e Y foram
excluídas do alfabeto durante mais de meio século. Brasileiramente, continuaram
sendo usadas (com a ressalva de serem “aportuguesamento de palavras
estrangeiras”), e sem que ninguém pagasse multa por isso.
Na China, no entanto, a muralha é sempre alguns metros mais
alta do que a escada.
Em 2014, o governo proibiu o uso de trocadilhos.
O que é mais absurdo ainda é que a língua chinesa é cheia de
homófonos, sílabas que soam quase exatamente iguais. Tudo depende de como se
pronuncia. Partículas tipo “shan”, “chan”, “jan”, “zhan” – que parecem iguais e
não são.
Não é só o chinês, claro. Quem estuda inglês passa noites em
claro tentando achar as pronúncias exatas de “sheep”, “chip”, “cheap”, “ship”
etc.
A norma chinesa anti-trocadilho alegava que essa prática
violava as leis da língua escrita e falada, dificultava a absorção da herança
cultural e podia induzir os ouvintes a erros, principalmente às crianças.
Os exemplos de como os chineses trocadilham na vida social
são os mais bobinhos possíveis. A refeição de Ano Novo sempre inclui “alface”,
porque a palavra chinesa correspondente soa parecido com “ganhar dinheiro”.
São superstições semelhantes às nossas, da pessoa que usa
roupa de baixo amarela no reveillon para ficar rica. Já pensou se o Governo
resolve proibir e fiscalizar esse tipo de coisa?
Por outro lado, liberar esse tipo de informalidade para mais
de um bilhão de usuários deixa margem para que os rebeldes, os irreverentes, os
dissidentes, os satíricos, todo esse pessoal deite e role na sacanagem com os
nomes próprios dos Grandes Líderes, por exemplo.
Xi Jinping parece nas fotos ser um sujeito cheio de bonomia,
mas teria um enfarte se fizessem com o nome dele o que a gente faz com os nomes
de Lula, Temer, Dilma, Pezão, Bolsonaro, Dória e por aí vai.
Este verbete aqui, sobre a China, é cheio de exemplos
interessantes:
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