(foto: Av. George
V, Paris)
(Escrevi este texto
quando morava em Belo Horizonte, em 1970, inspirado por uma brincadeira
surrealista que li num livro: um texto coletivo produzido em 1933 por André
Breton, Paul Éluard, Tristan Tzara, Maurice Henry e Benjamin Péret, intitulado
“Certas Possibilidades Ligadas ao Embelezamento Irracional de Uma Cidade”, tendo
Paris como tema. Copio o texto na íntegra, sem correções, a não ser a
acentuação da nova ortografia.)
Uma sugestão para o melhoramento de um
cinema
Mudar a posição das cadeiras de modo a que o bloco
direito ficasse de frente para o esquerdo. Presentear cada espectador com uma
bisnaga cheia de água para molhar os espectadores do bloco oposto. Aos mais
distantes, entregar revólveres.
Pintar na tela, em letras vermelhas, a palavra “AMOR”,
ou, caso a tela seja muito pequena, desenhar um maço de cigarros vazio e
amarrotado, com uma ampliação nunca menor que vinte vezes o tamanho real.
As luzes devem ser impreterivelmente apagadas dez minutos
antes do início da sessão, e ao mesmo tempo serão trancadas todas as portas.
Preço médio do ingresso: oitocentos cruzeiros novos.
Às sessões noturnas os espectadores poderão comparecer
despídos.
Sugestão para o Prédio Niemeyer
Colocar todos os seus moradores para se arrastarem em
suas inúmeras plataformas. À noite, prender lâmpadas de diversas cores nas
costas de cada um.
Sugestão para a Biblioteca Pública
Desentortar o prédio no sentido horizontal; esvaziá-lo e
transformar seu interior em plantação de jequitibás.
Sugestão para o Mineirão.
Cobrir o gramado com um imenso lençol, e colocar dois
enormes travesseiros numa das extremidades.
Contratar um casal de gigantes (nunca menos de 80 metros
de altura) para copular em frente à multidão.
Essas apresentações deverão se realizar às 04:00 da
madrugada do dia 6 de maio de cada ano (menos nos anos bissextos) com entrada
grátis.
É expressamente proibida a entrada de virgens (mulheres
ou homens), açougueiros, calafates. Proibida também a presença de estrangeiros
e de gigantes com mais de 15 metros de altura.
Sugestão para a Praça Raul Soares
Arrancar os bancos e as plantas. Fabricar uma enorme moeda
de prata de diâmetro exatamente igual ao da praça, e colocá-la sobre ela. A
moeda deverá ter a efígie de uma pessoa desconhecida e provavelmente
inexistente, mas bastante simpática.
Sugestão para o Palácio do Governo
Pintá-lo por fora de diversas cores. Hastear a bandeira
da Nicarágua em sua frente. Abrir permanentemente todas as suas torneiras e
chuveiros.
Sugestão para a Praça Sete
Pintá-la de negro e colocar uma aranha metálica no
centro. A aranha deve ter as mesmas proporções da praça e os fios que tecerá
acompanharão as ruas que de lá divergem.
Sugestão para a estátua de Tiradentes
Colocar, junto a ele, um poste de parada de coletivos.
Pintá-lo com cores psicodélicas e colocar dentro da estátua um gramofone que, à
aproximação de qualquer inimigo, proferirá a seguinte oração:
“AMAR AS PERNAS NEGRAS
DESNORTEADAS
DISSOLVER AS LÁGRIMAS DE
PERDÃO
ENGULIR AS CHAVES E AS
TORQUESES
ODIAR OS FRACOS E OS
REPRIMIDOS
MORRER DE FOME E VIVER DE
ÓDIO;
EIS A MISSÃO, EIS NOSSO FIM
DE LESTE A OESTE, DE NORTE A
SUL,
É MEU IRMÃO QUEM FOR ASSIM
E QUEM NÃO FOR, TOME NO CU.”
Sugestão para a Avenida Contorno
Organizar, ao longo dela, uma procissão de todos os
sonâmbulos da cidade, os quais deverão bater palmas enquanto caminham. Postar,
aqui e ali, atiradores munidos de rifles, para que matem os sonâmbulos com quem
não simpatizarem.
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