quinta-feira, 17 de junho de 2010

2161) A reza dos ladrões (10.2.2010)



Uma das imagens marcantes de 2009 foi a reza dos ladrões em Brasília, a reza dos políticos e empresários envolvidos no chamado “escândalo do panetone” patrocinado pelo governador Arruda, do Distrito Federal. Passou em todos os telejornais, ganhou o mundo (vi imagens com a repercussão na imprensa de alguns países, via Internet). Depois de receber o dinheiro da propina, repassado pelo secretário Durval, os corruptos reúnem-se no meio da sala e um deles diz: “Vamos orar, irmãos”. Formam um círculo, passam os braços sobre os ombros uns dos outros, e aí começa. Vejam aqui: http://www.youtube.com/watch?v=69vMNGZ79UY.

Para muita gente que escreveu a respeito disto na imprensa, é a maior demonstração de hipocrisia que se viu nos últimos tempos. Eles rezam agradecendo a ajuda de Deus “que trouxe Durval para ajudá-los”. Durval, ironicamente, é o cara que lhes repassava o dinheiro – e que filmava tudo, com uma câmara oculta. Dá até para acreditar que Durval foi mesmo mandado por Deus, só que para desmascarar a quadrilha.

Muitos corruptos são indivíduos de hábitos religiosos. Digo assim porque neles trata-se de um hábito, e não de uma fé. Benzem-se ao passar diante de uma igreja, mas não é por acharem que naquele instante estão passando diante de um lugar sagrado. É um gesto puramente maquinal, como o de quem faz “toc-toc” na madeira quando ouve falar em algo ou alguém que traz má sorte. Comparecem à missa nos fins de semana, mas não é para entrar em comunhão com a divindade, e sim para cumprir uma rotina social que não se distingue muito de levar o cachorro para fazer cocô na calçada. A religião, a reza, a invocação ao nome de Deus, tudo isto são hábitos guardados na mesma gaveta onde guardam o hábito de não passar embaixo de escadas ou de toda sexta-feira à noite dizer “bom fim de semana” ao ascensorista do escritório. É um hábito que não se vincula a nenhuma crença mais ampla senão a de repetir pequenos rituais inofensivos, que talvez façam bem, e, mesmo que não façam bem, mal também não fazem.

Os ladrões rezam agradecendo a Deus a possibilidade de darem golpes mais eficazes do que os de seus concorrentes, ou agradecendo o fato de não terem sido descobertos, ou pedindo a graça de não serem descobertos nunca. Eu acredito que eles acreditam em Deus, mas é uma crença que não tem muito a ver com a religião que dizem professar (em geral, o Cristianismo, em alguma de suas vertentes católicas ou protestantes). O Deus deles é uma espécie de gênio-da-lâmpada subserviente, presente a toda hora, que tudo ouve e tudo vê, e que está ali para servir a eles, “abrir seus caminhos”, facilitar suas ações. Para esses caras, Deus é um Super-Aspone cheio de recursos, um advogado espertíssimo e sempre capaz de tirá-los de enrascadas, um padrinho forte que lhes dá cobertura em suas empreitadas. É com total sinceridade que agradecem a esse deusinho que eles criaram à sua imagem e semelhança.

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