terça-feira, 25 de maio de 2010

2079) O jeito certo de dizer (6.11.2009)



Sempre que eu me hospedava em hotéis, costumava me referir ao número do meu quarto como um número qualquer: “Estou no quinhentos e três”, ou “No mil duzentos e um”. Depois percebi que muitos recepcionistas, mensageiros, arrumadeiras, etc., dizem esses números de maneira diferente: “cinco zero três” ou “doze zero um”. É um modo mais objetivo de dizer, porque menciona primeiro o andar e depois o número do quarto. Quando dizemos números de telefone, por exemplo, costumamos enunciar dígito por dígito: “Meu telefone é três três dois sete, quatro um nove três”. Dizemos assim porque basta informar ao interlocutor quais os algarismos que ele precisa acionar para falar conosco. Mas já vi gente que dizia assim; “Meu telefone é três mil, trezentos e vinte e sete, quatro mil, cento e noventa e três”. É uma enunciação absurda, porque é mais complicada, e na verdade não estamos nos referindo a um número contável, e sim a uma mera sucessão de dígitos isolados. Mas tem pessoas que se acostumam a ler todo número como se fosse a expressão de uma quantidade em dezenas, centenas, milhares...

Para sabermos o jeito certo de dizer as coisas, basta prestar atenção às pessoas que estão envolvidas mais de perto com aquilo. Passei anos assistindo a TV Record de São Paulo (que se pronuncia “recór”, à maneira francesa), e quando comecei a traduzir livros para a Editora Record do Rio demorei um pouco a perceber que, lá, o nome da editora se pronuncia “récor”, à maneira inglesa. Quando digo o jeito certo não quero dizer que o outro esteja errado, mas que, no interior de um grupo, define-se um modo de dizer que se torna o padrão. Esse padrão se impõe pela repetição, pelo maior alcance de quem usa um desses formatos. Quando surgiram no Brasil as Organizações Não-Governamentais, as ONGs, no Rio de Janeiro pronunciava-se “Ó-ene-gê” e em São Paulo “Ôngue”. Arrisco-me a dizer que depois da conferência Rio-92 (Eco-92), a pronúncia paulista se impôs em nossa televisão e daí para o resto das pessoas.

Algo parecido ocorreu com a Aids logo que apareceu. Ninguém sabia se era palavra masculina ou feminina, e ninguém se definia por uma pronúncia à maneira inglesa ou abrasileirada. Assim, durante anos em nossas rádios e TVs conviveram quatro pronúncias diferentes para se referir à doença: a áids, a êids, o áids e o êids. A primeira delas acabou se impondo. O mesmo vale para certas siglas criadas pela imprensa. Os fãs de ficção científica no Brasil chamam o gênero de FC (éfe-cê), e nos países de língua inglesa de SF (“éss-éff”). A imprensa criou e popularizou o rótulo “sci-fi” (“sái-fái”), fazendo referência à sigla “hi-fi” (“high-fidelity”, usada para qualificar os discos de vinil dos anos 1950). Nos EUA, costuma-se dizer que só quem usa “sci-fi” é quem é de fora do fandom, do universo dos fãs do gênero, e que basta alguém usar o termo “sci-fi” para ser identificado como um visitante, alguém que ainda não aprendeu o jeito certo de dizer.

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