terça-feira, 25 de maio de 2010

2072) Os ideogramas mitológicos (29.10.2009)



A história das religiões e das mitologias pode ser vista como um alfabeto de símbolos, os quais em si mesmos já são complexos, e quando se articulam uns aos outros geram possibilidades infinitas de interpretação. Um símbolo mitológico não é algo simples e uno como uma letra do nosso alfabeto, que só significa a si mesma. Seria mais parecido com um ideograma japonês, que é um desenho composto de desenhos menores, cada qual significando uma coisa diferente, e o sentido geral do ideograma é maior que a soma dos sentidos isolados de cada um. O exemplo clássico, muito citado nos manuais, é o do ideograma que significa “vermelho”, o qual é composto de quatro ideogramas menores que indicam “rosa”, “cereja”, “ferrugem” e “flamingo”. Vendo estes quatro ideogramas justapostos, todos eles sugerindo imagens que incluem a cor vermelha, podemos deduzir o significado geral do conjunto.

Indagado sobre o título de seu romance O Nome da Rosa, visto que nenhuma rosa é mencionada com destaque no livro inteiro, Umberto Eco ponderou que a Rosa é um símbolo universal, que pode significar a vida, o renascimento, a mulher, a paixão, a efemeridade, a beleza... É uma imagem com muitas facetas, e cada uma delas poderia ser associada ou contrastada àquela narrativa de crimes, mosteiros, livros clássicos, ascetismo, luxúria, transcendência espiritual e morte. Esta é a função de um símbolo: poder ser lido de formas diferentes, quando justaposto a coisas diferentes ou enxertado em contextos diferentes. Alguém dirá: “Ora, então qualquer coisa pode ser símbolo”, e eu concordo. Um ferro-de-engomar pode ser um símbolo, uma jaca pode ser um símbolo, um acento circunflexo, um cadarço de tênis, uma rolha de garrafa, uma verruga, um cágado. O que acontece é que, por motivos variados, alguns símbolos produzem leituras mais ricas e mais complexas do que outros.

O mesmo se dá com formas geométricas, que se prestam a mil associações. Um triângulo pode ser Deus: por ser uma figura de três lados ou três angulos, representa a Santíssima Trindade. Também pode ser uma imagem erótica – um triângulo com a ponta para baixo representa (pelo menos pra mim) o púbis feminino. Pode ser um símbolo do plano, da superfície, por ser a menor figura possível com apenas duas dimensões. Pode ser um símbolo do Infinito, se o virmos como uma verticalização do ponto-de-fuga de um desenho em perspectiva: a base é onde estamos, a ponta é o horizonte remoto para onde parecem convergir as paralelas. E assim por diante.

O que a linguagem poética, iconográfica, etc. tem feito é promover combinações diferentes desses materiais. Osman Lins utilizou A Espiral e O Quadrado como base para seu livro Avalovara. Que obras (de qualquer tipo) resultariam, por exemplo, da junção entre As Asas e O Quadrado? Ou entre O Labirinto e A Nuvem? Ou entre O Relógio, A Esfera e O Crocodilo? As possibilidades, como sempre, são infinitas.

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