segunda-feira, 29 de março de 2010

1841) Pensar e cantar (1.2.2009)




Comentando a poesia de G. K. Chesterton (que hoje em dia, quando é lembrado, é apenas como prosador e como polemista) Jorge Luís Borges comenta (Borges, Bioy Casares, pág. 365) que metade do esquecimento a seu respeito se deve ao próprio Chesterton. 

Diz ele: “Nos poemas de Chesterton o uso da linguagem é admirável. Suas metáforas são daquele tipo que parecem ter estado ali o tempo todo, e que só uma inacreditável cegueira nos impediu de perceber. Ainda assim, esses poemas correspondem a um esquema; neles o pensamento está sempre presente, e talvez em demasia.” 

E lembra um episódio, talvez apócrifo, em que um crítico inglês perguntou a um irlandês: “Os poetas de vocês não sabem pensar?”. Ao que o irlandês retrucou: “E os de vocês, não sabem cantar?”

Predomínio da idéia e predomínio da música: esta é uma maneira mais nítida de colocar a oposição que em geral se formula nos termos vagos e improdutivos de “forma” e “conteúdo”. 

Falar em forma e conteúdo é sugerir que são aspectos mutuamente excludentes, a menos que queiramos derivar (como os críticos derivam com frequência) para avaliações vazias do tipo “O conteúdo da obra de Fulano é sua forma” ou “a forma das obras de Sicrano é o seu conteúdo”.

Poesia é feita de música e idéia (além de imagem). Como são domínios diferentes da sensibilidade, não se contradizem nem se excluem. 

É perfeitamente possível ter um poema extremamente musical e ao mesmo tempo saturado de idéias. Os Lusíadas e a Divina Comédia são exemplos em grande escala, "A Máquina do Mundo” de Drummond e “Um Operário em Construção” de Vinicius de Morais são exemplos em pequena escala. Música e idéia, quando juntas, funcionam que é uma beleza.

Poucos poetas, no entanto, são tão completos como estes. Alguns são muito bons num aspecto e são fraquinhos ou desatentos no outro. Quando sua obra se impõe, acabam virando uma anti-propaganda das características que não possuem, mas contra a qual talvez não tenham muito a opor. 

Há poetas “engajados” que acabam servindo como exemplo da tese de que é possível (e talvez até melhor) fazer poesia sem música, sem sonoridade, sem ritmo. E poetas dotados de magia verbal, que passam a ser indicados como uma prova de que a poesia consta somente de estruturas sonoras e pode prescindir de significado.

Idéias e imagens podem, até certo ponto, ser traduzidas. O difícil é encontrar noutro idioma equivalentes sonoros para o que um poeta faz. Dois dos meus poetas preferidos são Bertolt Brecht e Vladimir Maiakóvski, mas como não sei uma palavra de alemão ou de russo sinto-me condenado a nunca conhecer de verdade essas duas obras que leio há quarenta anos. 

A música de cada idioma é inalienável e irreprodutível. Pode-se e deve-se traduzir, mas sabendo o quanto de música se perde. Traduzir poesia e imaginar que se tem um equivalente ao original é como escrever uma biografia e acreditar que com isso se evitou a morte do biografado.





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