domingo, 7 de março de 2010

1758) Skeuomorph (28.10.2008)



Descobri esta palavra inglesa mas não consigo achar-lhe uma tradução equivalente; “esciomorfo”, “esquiomorfo”, “ciomorfo” seriam formas possíveis, mas meu Dicionário Houaiss não as registra. Vem do grego “skeuos” (=vaso, instrumento) e “morpho”, forma. O que quer dizer? Ela se refere a qualquer aspecto do design ou da execução de um objeto em que são incluídos aspectos desnecessários à sua função, mas que remetem a objetos análogos (geralmente modelos mais antigos) com os quais o usuário já tem familiaridade.

Já escrevi aqui (“Ser e parecer”, 11-5-2005) que a Linha Vermelha aqui no Rio só é pintada de vermelho quando cruza a Avenida Brasil, para ser reconhecida, pois ganhou esse nome pela cor com que aparecia nos desenhos do projeto original. Os elepês de vinil são transparentes, mas a indústria adiciona-lhes tinta preta porque o público era acostumado aos discos pretos de 78 rotações, feitos com outro material. Uma técnica esquiomorfa recente é a das câmaras fotográficas digitais que produzem um “clique” quando a gente tira a foto. O ato de fotografar digitalmente é silencioso, mas, para o público acostumado às câmaras de engrenagens mecânicas, o clique dá uma confortável sensação de familiaridade.

Vi uma descrição, de um sujeito de Boston, sobre os letreiros que indicam os horários dos trens naquela cidade. Antigamente eram naquele sistema de quadradinhos de plástico com letras e números, girando em eixos horizontais, tombando até formar as palavras (como se usa hoje em alguns aeroportos). O de Boston atualmente é feito com telas de cristal líquido, mas produz o mesmo barulhinho com que o público já se acostumou.

Mesas de som digitais, nos estúdios fonográficos, simulam detalhes inúteis, mas que ajudam um técnico formado nos modelos antigos a se sentir mais em casa. Vi também um depoimento de um cara dizendo que na Grécia muito antiga os templos eram feitos de madeira. Quando começaram a fazê-los de mármore, mantiveram, ao esculpir o mármore, as formas de pinos e cavilhas que eram usados para fixar as partes de madeira nos templos antigos. Foram incorporados ao mármore, com função meramente decorativa.

Outro exemplo interessante é o daquela armadilhas para gado, acho que entre nós são chamadas de “quebra-perna”: uma vala coberta por barras transversais de madeira, tendo entre si um espaço suficiente para passar a perna de uma rês, que ao pisar ali enfia a perna e fica presa. As reses aprendem a refugar diante dessas passagens, e em alguns lugares elas estão sendo apenas pintadas no chão, sem a necessidade de escavar o buraco e fincar as barras. A visão do animal vê apenas o padrão de listas claras e escuras, mas não percebe a diferença entre o real e o virtual.

Existem esquiomorfos também na Arte, na Literatura? Processos técnicos ou expressivos desnecessários, mas que são mantidos porque o público os espera? Talvez tudo que é Estético seja uma sobrevivência do que um dia foi Funcional.

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