domingo, 7 de março de 2010

1755) Os sonhos de Graham Greene (25.10.2008)



Vários autores publicaram livros narrando sonhos que tiveram ao longo da vida. Note bem o leitor que não são sonhos fictícios, porque inventar um sonho qualquer um inventa. Quero ver é ser capaz de escrever um sonho que realmente teve! Pode parecer que isto é justamente o mais fácil, mas não é – quem duvidar, experimente.

O inglês Graham Greene tem um livro curtinho e saboroso, A World of my Own (“Um Mundo que é Meu”) no qual ele classifica algumas dezenas de sonhos por assunto: “Escritores famosos que conheci”, “Guerra”, “Felicidade”, “Estadistas e Políticos”, “Viagens”, “Ciência”, “Leituras”, etc. Como ele trabalhou por muito tempo para o Serviço Secreto britânico, há um capítulo em que conta suas aventuras oníricas como espião. Os sonhos foram selecionados dos numerosos volumes anotados à mão durante mais de 25 anos.

Greene afirma que essa prática deveu-se ao fato de ter sido psicanalisado na adolescência. O psicanalista lhe pediu que ele anotasse seus sonhos, e ele se acostumou a ter junto à mesa de cabeceira papel e caneta, onde anotava em breves frases o bastante para, na manhã seguinte, reconstituir o sonho por inteiro. (Eu também faço isto, mas geralmente me deparo de manhã com notas incompreensíveis: “descendo ladeira – 3 ou 4 paises – vem T.M e depois guerra – aquário”. Melhor é ficar deitado após acordar, e rememorar o sonho várias vezes, trazendo-o para a “mente de cima”).

Greene se refere ao Mundo Comum e ao Meu Mundo, para distinguir entre realidade e sonho. Aqui e acolá percebemos como o som das palavras gera as situações, como quando num sonho com Nikita Kruschev ele faz um trocadilho entre “chicken” (frango) e “kitchen” (cozinha). Noutro sonho ele tenta enviar uma mensagem clandestina a um amigo usando o nome de Verdant (=”green”, verde). Pequenas heresias brotam nos sonhos do escritor católico, como quando ele vê uma amiga pousar no altar da igreja uma xícara de chá e o padre consagrar o chá como o fez com a hóstia e o vinho.

Perseguições políticas são uma situação recorrente em seus pesadelos; pessoas com uma das mãos machucada ou mutilada, idem. Greene sonha manchetes inesperadas nos jornais (“O Suicídio de Charles Chaplin”). Discutindo com um oficial da KGB em Moscou, este lhe diz que as pessoas não podem sair à noite. “Por que?”, pergunta Greene. Resposta: “Para que as ruas sejam mais seguras”, diz o oficial. E ele: “Seguras para quem, já que ninguém pode sair à noite?”.

Greene comenta o uso que escritores como Stevenson e Dunne fizeram dos sonhos, e registra que pelo menos dois de seus contos foram sonhados: “Dream of a Strange Land” e “The Root of All Evil”. Alguns sonhos são surreais e comoventes, como o de ver sua mãe morta movendo os lábios e dizendo: “Frio. Frio.” Ele sussurra ao seu ouvido que vai acender um fogo para aquecê-la, e estremece ao pensar que é possível alguém continuar sofrendo mesmo depois de morto.

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