quinta-feira, 25 de junho de 2009

1127) Bagdá e a favela (25.10.2006)



Eu não sei se é o Rio que está ficando parecido com o Iraque, ou o Iraque que está ficando parecido com o Rio. Os soldados americanos que patrulham Bagdá trabalham sempre em conjunto com policiais iraquianos. Em tese, eles estão ali para dar suporte à polícia iraquiana, porque têm mais experiência, armamento superior, etc. Os iraquianos são estagiários. Estão ali para aprender, na dura lei do batente, como devem se comportar, como devem agir para manter a Lei e a Ordem. Quando tiverem aprendido tudo e puderem impor a Lei e a Ordem com a eficiência dos Fuzileiros Navais, os americanos irão embora.

Sabe quando isto vai acontecer? No dia em que o Olaria for campeão brasileiro. Porque, segundo a imprensa americana, o que mais desespera os soldados estacionados no Iraque são a incompetência e a inapetência dos policiais iraquianos. Vejamos um exemplo. Um grupo de americanos e iraquianos foi patrulhar um bairro onde havia milícias terroristas. Os iraquianos foram encarregados de fechar as ruas, para que nenhum carro saísse, enquanto os americanos vasculhavam as casas. Horas depois, quando os americanos voltaram, souberam que todos os carros dos milicianos fugiram passando pelas barreiras.

Muitos dos soldados recrutados pelos iraquianos são xiitas, adversários históricos do regime sunita de Saddam Hussein. E eles fazem vista grossa às ações das milícias terroristas xiitas, das quais há pelo menos 23 já identificadas pelos americanos. Ou seja: quando se trata de prender ou revistar sunitas, eles aderem com entusiasmo. Para fazer o mesmo com os de sua comunidade, eles recorrem a todo tipo de subterfúgio. Revistam superficialmente, liberam todo mundo, fazem vista grossa.

É algo muito parecido com o que ocorre nos morros do Rio. A distância social entre o soldado da PM e o bandido é “desse tamanhinho”. Nasceram na mesma comunidade, passaram pelas mesmas dificuldades, convivem nos mesmos ambientes. São primos. Um arranjou emprego com o Governo. O outro, com o crime organizado. Na hora em que estão frente a frente sob as luzes da TV ou sob a vigilância dos superiores, o PM fala grosso, manda bala. Mas basta estarem a sós, vale a lei da boa vizinhança, que admite desde uma liberação rápida (“cai fora, aproveita, eu falo que tu fugiu”) até a cumplicidade explícita (“me dá o bagulho, eu levo na viatura e depois a gente racha o apurado”).

Hoje, nós somos os americanos em nosso próprio país. Nós, as “classes privilegiadas”, somos o país invasor. Ficamos tentando obrigar os invadidos a se policiarem e se prenderem uns aos outros, para que possamos viver tranquilos. Mas eles acham que existe algo de errado nessa guerra. Os soldados iraquianos (e os PMs cariocas) não necessariamente odeiam aqueles que estão lhes dando ordens. Mas de vez em quando pensam: “Vem cá – por que é que eu tenho de matar meu primo só pra que esse cara, que eu nunca vi mais gordo, possa dormir em paz?”

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