(capa da primeira edição)
Em seu livro 1984, George Orwell imaginou uma ditadura onde o Governo seria capaz de espionar a vida de todos os cidadãos. A TV seria em mão-dupla: ela mostraria imagens mas seria capaz também de vigiar as pessoas em suas casas, em tempo real. Isaac Asimov, um dos campeões do bom-senso e da “lógica das coisas” na ficção científica, ironizou essa técnica dizendo que em princípio seria necessário um grupo de umas cinco pessoas para vigiar apenas uma, uma vez que ninguém conseguiria ficar 24 horas acompanhando o cotidiano de um cidadão comum.
Foi Orwell quem criou a expressão “Big Brother”: o Grande Irmão era o ditador dessa Inglaterra situada no futuro, um sujeito bigodudo e implacável com os traidores do regime, mas de aparência paternal, claramente inspirado em Josef Stalin. Aqui no Brasil, com o programa da TV-Globo, a expressão “big brother” foi totalmente distorcida: a imprensa chama de “big brothers” as pessoas que ficam trancadas na casa, sendo espionadas. Na verdade, os big-brothers seríamos nós.
As verdadeiras ditaduras, no entanto, não precisam espionar. As ditaduras mais eficientes são as que não precisam vigiar ninguém, porque todos os cidadãos acreditam com fervor que estão no melhor dos mundos, mesmo que vivam numa pindaíba de fazer dó (como ocorre com os personagens de 1984). O melhor tipo de censura não é o que tem funcionários atarefados cortando tudo que os escritores de oposição escrevem. O melhor tipo de censura é aquele em que durante a madrugada os censores estão dormindo em paz, e os próprios escritores, depois de redigirem uma frase que sabem perigosa, voltam atrás e apagam tudo.
O final de 1984 é trágico e arrepiante porque o personagem principal, Winston (cujo nome faz um contraste irônico com o nome de Churchill), encerra o livro, depois de uma sessão de tortura, proclamando sua lealdade e seu amor pelo Big Brother. Nenhum ditador precisa espionar um sujeito que passou por uma lavagem cerebral como esta.
É cruel, mas só posso comparar isso com a educação que damos aos nossos filhos. Sabemos que nossos filhos estão bem educados quando eles escovam os dentes sem que a gente mande, fazem o dever de casa por iniciativa própria, botam a roupa suja no cesto sem que seja preciso alguém conduzi-los pela orelha. Sabemos que estão bem educados quando eles saem à noite dizendo que vão para um show de rock e depois dormirão no apartamento de um amigo, e nós confiamos que nada de errado vai acontecer. Toda educação é uma lavagem-cerebral-do-Bem, é algo que implantamos a ferro e fogo (ou melhor, à base de castigo e chinelo) naquelas mentezinhas adoráveis quando elas não parecem merecer nada além de ternura, mimos, afagos, cheiros e mais cheiros. É nessa fasezinha dourada da existência que cabe uma boa e velha lavagem cerebral, meus amigos. Para que depois o Censor possa dormir em paz, sabendo que sua missão foi bem cumprida.
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