quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

0782) Os Cacarecos (20.9.2005)


(o rinoceronte vereador paulistano)

De tantos em tantos anos os eleitores brasileiros resolvem mandar às favas a esperança cívica e votam, só por pinimba, num anti-candidato. Foi assim com o rinoceronte Cacareco na minha infância, ou com o Bode Cheiroso de Jaboatão, dois símbolos inesquecíveis do cansaço popular com a pseudo-democracia que temos conhecido até hoje. Aqui no Rio, todo ano tem gente votando em Raul Seixas ou no Macaco Tião. Porque querem vê-los eleitos? Não. Porque querem dizer: “Se este em que eu votei é inadequado, os candidatos oficiais o são mais ainda”.

A eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara dos Deputados, alguns meses atrás, foi um desses episódios que Machado de Assis descreveria como “caricato e burlesco”. O Governo tentou por fina força impor um candidato que ninguém queria, o Greenhalgh. Alas do próprio PT (que tem mais alas do que a Mocidade Independente de Padre Miguel) se rebelaram e lá veio a candidatura dissidente de Artur Virgílio. Severino Cavalcanti surgiu lá de baixo, como azarão, mas de repente, numa madrugada longa e tensa, os parlamentares, energizados e desgastados pelo cansaço das votações, das confabulações, das articulações de corredor, começaram a pensar todos ao mesmo tempo: “E se a gente votasse no idiota do Severino, só pra zoar?”

Existem momentos, ao longo de uma madrugada insone e ruidosa, em que tudo parece possível. Muitas coisas que acontecem por aí são atribuídas ao efeito do álcool ou das drogas, mas não é sempre assim. Um grupo de homens insones, madrugada afora, alimentando-se apenas de café e cigarros (e não de cerveja e baseados), é capaz de aprontar os maiores desmantelos. Os parlamentares que elegeram Severino para a presidência da Câmara, naquela madrugada específica, estavam num estado de exaltação maligna não muito distinto dos adolescentes de Brasília que anos atrás atearam fogo a um índio adormecido na calçada, “só pra zoar”.

Toda cultura tem diferentes nomes para esse espírito galhofeiro, cruel, irrequieto, irresponsável, que baixa às vezes sobre os humanos. Em algumas mitologias ele se chama Loki, em outras Trickster, em outras Saci Pererê, Gremlin, Leprechaun. Em outras, Exu ou Zé Pelintra. Ele não é a encarnação do Mal, como Satã. É uma espécie de duendezinho travesso, sem escrúpulos, que gosta de aperrear pelo prazer de ver o aperreio, gosta de pegar um bicho que não conhece, fazê-lo sofrer bem muito e depois ir embora e esquecer aquilo para sempre. Quando um grupo de homens cansados e aborrecidos se deixa levar pelo sarcasmo e pela irreverência, o resultado é este. Hitler passou anos, depois de eleito chanceler, sendo visto pela Europa como um “demagogo apalhaçado”. Cuidado, amigos. Do que jeito que vai, corremos o risco de no ano que vem elegermos um presidente que bote Enéas na Casa Civil, o Bispo Rodrigues no Ministério da Fazenda, Marcos Valério na presidência do Banco Central e Jair Bolsonaro no Ministério da Justiça.

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