segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

0769) Mais louça que havia no vaso (4.9.2005)




A Física sub-atômica é cheia de aparentes paradoxos, quando comparada com a Física em escala macro, esta do mundo em que vivemos. “Lá embaixo”, na escala do infinitamente pequeno, as leis da Natureza são outras. Por exemplo: o sujeito quer fragmentar uma partícula que tem um peso atômico específico. Ele faz incidir sobre esta partícula um feixe de energia que a parte em “pedaços”. Só que cada um dos “pedaços” resultantes pesa mais ou menos o mesmo que a partícula original. É como você partir uma pedra de 10 quilos em uma porção de pedaços, e constatar que um deles pesa 8 quilos, outro 10, outro 11, outro 5, outro 12 e assim por diante. Por que isto? Porque a energia empregada para dividir a partícula inicial é absorvida pelos fragmentos, fazendo com que a soma final deles tenha um peso muito maior. A soma das partes é maior que o todo.

Geralmente usamos de forma elogiosa a expressão de que “o Todo é maior do que a soma das partes”. Queremos dizer com isto que elementos isolados foram reunidos numa estrutura que os valorizou, propiciando o surgimento de qualidades que os fragmentos em si não possuíam. Mas podemos ser também elogiosos dizendo que as partes valem mais que o Todo. Penso no exemplo literário de Fernando Pessoa. Diz ele, num poema famoso, “Apontamento”: “A minha alma partiu-se como um vaso vazio. / Caiu pela escada excessivamente abaixo. / Caiu das mãos da criada descuidada. / Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.”

Esta descrição tem muito a ver com o modo como o próprio Pessoa via-se a si mesmo por dentro. Quando optou por se dividir em vários poetas fictícios, os chamados “heterônimos”, ele devia sentir que sendo apenas ele mesmo, apenas Fernando Pessoa, não conseguiria dar vazão a tudo que tinha para sentir e para dizer. Foi preciso criar uma porção de pedaços de si mesmo que depois, somados, produziriam uma soma muito maior do que ele próprio, uma obra literária (e um documento humano) que transcendiam em muito a personalidade e a voz literária do Fernando Pessoa original.

O caso de Pessoa não é único nem raro na literatura (são muitos os escritores que usam pseudônimos específicos para produzir tipos específicos de texto): o que é raro é o grau de fé, de entrega, de determinação, por parte do poeta, em fazer daquilo tudo uma verdade pessoal. Ao conceber biografias, mapas astrológicos, ideologias e tudo mais para cada um de seus “pedaços”, Pessoa fez uma espécie de milagre dos peixes, um desses casos em que quanto mais se tira mais se tem. Basta ver que hoje em dia, salvo engano de minha parte, ele é muito mais conhecido pelos poemas de Álvaro de Campos (textos como “Tabacaria”, “Ode Triunfal”, “Passagem das Horas”, “Poema em Linha Reta” e tantos outros) do que pelos que escreveu sob seu próprio nome. Cada heterônimo de Pessoa é tão grande quanto ele, o Pessoa original, ou até mais. Há mais pedaços do que havia louça no vaso.




Um comentário:

Anônimo disse...

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