Como já foi sugerido acima, todas as ficções dependem do suspense, seja de que modo for. Mas o estudo da mecânica desse tipo extremo chamado menace, ameaça, perigo, revela a curiosa dualidade psicológica na mente do leitor ou de uma platéia mediante a qual, por um lado, é possível estar aterrorizado pelo que pode haver do outro lado da porta e ao mesmo tempo saber que a heroína ou a protagonista não vai ser morta, visto que é a heroína ou a protagonista. Se uma personagem interpretada por Claudette Colbert está passando um espantoso perigo, temos certeza absoluta de que Miss Colbert não vai se machucar pela simples razão de que é Miss Colbert. Como é possível, então que a mente da platéia tenha medo real da ameaça, sabendo destes fatos notórios?Entre as muitas respostas possíveis, eu proponho duas. Nossas reações ao som e às imagens visuais, ou a sua evocação por descrições verbais, independe da nossa razão. O elemento primitivo do medo nunca está distante da superfície dos nossos pensamentos; qualquer coisa que conseguir desencadeá-lo pode suplantar temporariamente a razão. Daí que os filmes de menace concentram seu apelo sobre essa emoção tão antiga e tão irracional. Poucos homens estão livres de sua influência.A outra resposta que sugiro é que em qualquer espécie de projeção, seja ela literária ou de outro tipo, a parte é maior do que o todo. A cena que está diante dos olhos domina o pensamento da audiência; o indivíduo normal não faz nenhuma tentativa de conciliar isto com outros aspectos da história. Ele é arrastado pelo que acontece naquela cena. Quando você termina de ler o livro, ele pode, mas não necessariamente, ser focalizado como um todo e ser lembrado pelos seus méritos quando visto assim; mas no momento da leitura, o capítulo é o fator dominante. A visão da imaginação emotiva é muito curta mas também muito intensa.
O crime neste filme é mais cruel por ser a vítima uma
pessoa mais inofensiva e mais simpática do que a vítima de O Sol por Testemunha. O playboy vivido por Maurice Ronet trata
Alain Delon de maneira humilhante e meio sádica de vez em quando.
Há um subgênero do romance policial que nunca foi formalmente definido pelos críticos, mas que eu classificaria como O Crime Que Não Dá Certo. São aquelas histórias em que uma pessoa comete um crime (geralmente um assassinato) sem planejar direito, e daí em diante tem que fazer mil malabarismos para livrar-se do cadáver, destruir pistas, improvisar um álibi, explicar mil pequenos detalhes em que não havia pensado...
Os crimes desse tipo não precisam necessariamente ser
impulsivos, não-planejados – há uma variante que consiste em vermos um crime
ser minuciosamente planejado com antecedência, e depois vamos acompanhar sua
execução; neste caso, em geral é um roubo de cofre, assalto a banco, etc. E
quando aquilo começa a acontecer de verdade nós, que sabemos como é o plano, somos
capazes de perceber o que não está funcionando direito, as interferências que
surgem de surpresa, e por aí vai.
Em Ripley, os
crimes não chegam a ser planejados em detalhe, e sua execução se dá
simplesmente porque se Ripley não matasse a vítima ali, todos os seus planos de
boa-vida financeira desabariam. O crime acaba sendo mal feito, improvisado,
desajeitado, cheio de buracos e contradições, espalhando pistas pelo caminho...
Ficamos torcendo pela teimosia obcecada de Ripley, um
homem que revela pouco, e que a câmera perscruta o tempo inteiro, como se
quisesse extrair a fórceps as suas intenções e os seus raciocínios. Quando ele
está pensativo e de repente dá um pulo da cadeira, o filme dá um pulo junto com
ele, porque sabemos que ele teve uma idéia ou lembrou de um detalhe
de-vida-ou-morte.
(Johnny Flynn, como “Dickie”, e Dakota Fanning, como “Marge”)
Há um subgênero do romance policial que nunca foi formalmente definido pelos críticos, mas que eu classificaria como O Crime Que Não Dá Certo. São aquelas histórias em que uma pessoa comete um crime (geralmente um assassinato) sem planejar direito, e daí em diante tem que fazer mil malabarismos para livrar-se do cadáver, destruir pistas, improvisar um álibi, explicar mil pequenos detalhes em que não havia pensado...
(Johnny Flynn, como “Dickie”, e Dakota Fanning, como “Marge”)
O elenco é ótimo. Se há uma coisa que me icomoda na maioria das séries em streaming é o que o pessoal chama de “overacting”, o excesso de interpretação por parte dos atores: olhos arregalados, gestos enfáticos com as mãos, arquejos, sobressaltos. O elenco da série se encaixa no papel de cada personagem: “Dickie” é descontraído, meio blasé, meio mimado, no fundo um playboy que não é totalmente bobo, sabe que não tem nada de artista, mas resolve aproveitar a vida e, afinal, nem todo mundo pode ser um Caravaggio, certo?
A namorada Marge (Dakota Fanning) é uma pequena esfinge retraída e desconfiada, ou talvez seja assim a partir do momento em que Tom Ripley entra na vida do casal. Ela olha tudo, com olhos amplos que não perdem um detalhe, e não comenta nada. Muito parecida é a intensidade de Elliot Sumner (Freddie), uma figura andrógina e perigosa capaz de desestabilizar mesmo a frieza de Ripley. Algo parecido pode-se dizer do ótimo Maurizio Lombardi que faz o inspetor de polícia: seus diálogos com Ripley e com Marge são verdadeiras sessões de pôquer em que cada um olha o outro, olha as cartas na mão, e continua impassível, sem mexer um músculo.
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