O romance Duna (1965), de Frank Herbert, construiu em torno de si um culto de leitores ao longo das sequências ao livro inicial: Dune Messiah (1969), Children of Dune (1976), God Emperor of Dune (1981), Heretics of Dune (1984) e Chapterhouse Dune (1985).
– Está vendo isto? – ela perguntou.Das pregas de suas vestes ela retirou um cubo de metal verde com cerca de quinze centímetros de lado. Ela o girou, e Paul viu que um dos lados do cubo estava aberto – era negro e estranhamente assustador. A luz não penetrava naquele negror escancarado.– Insira a mão direita na caixa – ela disse.O medo tomou Paul de assalto. Ele começou a recuar, mas a velha disse:– É assim que obedece a sua mãe?Ele fitou os olhos pássaro-brilhantes.(...)– Seguro contra seu pescoço o gom-jabbar – ela disse. – O gom-jabbar, o inimigo despótico. É uma agulha com uma gota de veneno na ponta. A-ah! Não se afaste, ou então provará o veneno. (...) Agora, eis como será o resto: se remover a mão da caixa, você morrerá. Essa é a única regra. Mantenha a mão dentro da caixa e você viverá. Retire-a e morrerá.(págs. 24-25)
“Não terei medo. O medo mata a mente. O medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e através de mim. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu restarei.”
Paul cerrou o punho da mão esquerda quando a sensação de ardência na outra mão aumentou. Ela crescia aos poucos: calor, e mais calor... e mais calor. Sentiu as unhas da mão livre perfurarem-lhe a palma. (...) A dor latejante subiu-lhe pelo braço. O suor brotou de sua testa. Cada fibra de seu corpo gritava para que ele removesse a mão daquele fosso ardente... mas... o gom-jabbar. (...) Em sua mente ele sentiu a pele da mão torturada encaracolar e enegrecer, e a carne crestada cair até restarem somente ossos carbonizados.E então cessou!Como se tivessem desligado um interruptor, a dor cessou.(...) Ele tirou a mão da caixa e observou-a, atônito. Nenhuma marca. Nenhum sinal de agonia na pele. Ergueu a mão, girou-a, flexionou os dedos.– Dor por indução nervosa – ela explicou. – Não podemos sair por aí mutilando possíveis seres humanos.(pág. 26-27)
Quando voltou o silêncio, Ogib, o grande pajé dos tocantins, estava em pé no meio do campo. Junto dele uma das velhas mães dos guerreiros segurava o camucim da constância, que tinha o bojo pintado de vermelho.O pajé disse:—Não basta que o guerreiro seja forte e valente, para merecer a esposa. É preciso que tenha a constância do varão, e não se perturbe com o sofrimento. É preciso que ele tenha a paciência do tatu, e suporte sereno as mortificações das mulheres e as importunações das crianças.“O guerreiro que não tem constância e paciência, depressa gasta suas forças. O rio que se derrama pela várzea, nunca verá suas margens cobertas de grandes florestas. (...) Se queres merecer a filha de Itaquê, mostra, Jurandir, que és varão ainda maior do que o famoso guerreiro que todos admiram.O grande pajé levantou o tampo do camucim, e descobriu uma abertura, bastante para caber o punho do mais robusto guerreiro.Jurandir meteu a mão no vaso. O semblante sempre grave do guerreiro cobriu-se de um sorriso doce como a luz da alvorada; e seus olhos, mais contentes que dois saís, pousaram no rosto de Arací.O camucim da constância continha um formigueiro de saúvas, que o pajé havia fechado ali na última lua. Açuladas pela fome de tantos dias, as formigas vorazes se prepararam para dilacerar a primeira vitima que lhes caísse nas garras.A dentada da saúva, que anda solta no campo, dói como uma brasa; quando são muitas e com fome, queimam como a fogueira.Todas as vistas se fitaram no semblante do guerreiro, para espreitar-lhe o minimo gesto de sofrimento.Mas Jurandir sorria; e seus lábios ternos soltaram o canto do amor. De propósito o guerreiro adoçou a voz, para não parecer que disfarçava o gemido com o rumor do grito guerreiro.Assim cantou ele:– A dor é que fortalece o varão, assim como o fogo é que enrija o tronco da craúba, da qual o guerreiro fabrica o arco e o tacape.“A jussara tem setas agudas: mas Arací, quando atravessa a floresta, colhe o coco de mel, embora a palmeira lhe espinhe a mão.“O ferrão da saúva dói mais do que o espinho da jussara; mas Jurandir acha o mel dos lábios de Arací mais doce do que o coco da palmeira. (...)
Como convém ao típico romance indigenista alencarino, segue-se um longo trecho de prosa poética em que “Jurandir”, enquanto as saúvas lhe devoram a mão, tece loas à beleza e à coragem de sua amada.
Foi preciso quebrar o camucim para que o guerreiro pudesse retirar a mão, de inflamada que ficara.O grande pajé esfregou, na pele vermelha, o suco de uma erva dele conhecida; e logo desapareceu a inchação.
(José de Alencar, 1829-1877
Frank Herbert, 1920-1986)
A coincidência entre estes dois testes tem semelhanças e divergências interessantes. No romance de ficção científica, a Ciência produz uma dor virtual sem que haja dano físico. Na narrativa romântica de Alencar, a dor e o dano são reais, mas toda a composição da cena, inclusive o comprido monólogo poético do indígena, traz para ela uma aura de artificialidade que o romance de Herbert consegue evitar, usando uma linguagem tensa, objetiva.
2 comentários:
Muito interessante como as narrativas são múltiplas, assim como as possibilidades imaginativas e suas relações. Bráulio, quem você diria ter sido o primeiro autor/obra de FC genuinamente paraibana?
JoonBarros, o termo "ficção científica" é muito relativo, até porque muitas vezes o autor afirma que o livro dele não é de ficção científica. Mas temos obras como "Estertor" de Osias Gomes (João Pessoa, UFPB, 1972), uma história futurista em que as pessoas param de morrer e de envelhecer; e "O país esquecido" de Marcos Luiz (JPessoa, edição do autor, 1974), uma narrativa futurista/kafkeana. Certamente há outros.
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