Meu conhecimento de romances policiais “noir” escritos em
francês é tão escasso que posso até completar a caixa com Albert Camus e Boris
Vian para dar sustança. Mas existe um espírito, sim. Existe um feixe de rimas,
bem visível, entre um certo tipo de romance policial popular norte-americano e
um certo tipo de cinema/literatura jovem, urbana, anticonvencional e meio
fatalista francesa.
Não foi apenas Baudelaire que salvou Edgar Allan Poe, os
cineastas da nouvelle-vague valorizaram as ações de Cornell Woolrich (La Marié e était en
noir, La Syrène
du Misssissipi) e de outros romancistas pulp.
Truffaut filmou também David Goodis (Tirez sur le
pianiste) e o filmou a sério, muito mais envolvido do que por exemplo
Godard, que em Bande à part até descreve crimes e mortes violentas, mas
muito mais distanciadamente.
Truffaut tem um talento saudável para o melodrama,
enquanto o cinema de Godard sempre foi uma junção do stand-up com o PowerPoint.
(Isto é um elogio.)
Truffaut é da escola emocionalista do seu mestre Hitchcock,
notório manipulador de platéias. Talvez mais ingênuo, ele, e Hitchcock meio
cínico. Aliás, Hitchcock já tinha adaptado a Janela indiscreta de
Woolrich, inclusive melhorando em muito o conto original.
Cinema (francês) urbano, de vanguarda, e os heróis são todos bandidos,
desde um cara à margem da lei por negligência existencial, como o Belmondo de Acossado,
até os pequenos delinquentes de Os incompreendidos.
O jeito bandidão dos
norte-americanos se misturou aos genes de Rocambole, espalhados pelas demolições
de Paris. Paris é a cidade que já esteve nas mãos de maior número de foras-da-lei
incapturáveis, desde Fantômas, o arqui-criminoso, até o rei dos ladrões de
casaca, Arsène Lupin.
Lupin, o herói de Maurice Leblanc, segue ao longo de mais de
vinte livros uma trajetória que o leva de assaltante a detetive, de terror dos
banqueiros e dos colecionadores de arte a colaborador da polícia na caça a um
mal maior.
Lupin não apenas se disfarça de vez em quando de policial, ele
torna-se policial de fato. Seus golpes nunca são sangrentos (Lupin desmascara,
expõe, ri, galhofa, moteja – mas não mata).
Os folhetins de
Balzac iam para o lado social, os de Verne para o lado aventureiro-científico,
os de Ponson para o melodrama policial, com sociedades secretas como “O Clube
dos Valetes de Copas” e lutas contra thugs indianos estrangulando
bandidos em Paris. Uma
história policial francesa pode ser reconhecida mesmo sem assinatura.
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