(foto: Anna Anjos. Estátua de Kafka em Praga.)
Usa-se muito o
termo “kafkeano” (em inglês se diz “kafkaesque”) para qualificar certos
elementos literários. Matt Staggs, num artigo recente (aqui: http://tinyurl.com/natdnql) vê influência
do autor tcheco em autores como Jeff VanderMeer e Haruki Murakami, e até em
cineastas como Terry Gilliam e os irmãos Coen. Kafka deixou sua marca através
de um qualificativo, se bem que nem todo mundo o leia da mesma forma.
O que seriam
esses elementos kafkeanos? Borges assinalou o mais visível deles no seu ensaio
célebre “Kafka e seus precursores”: a descrição de tarefas infinitas, que
quanto mais alguém tenta executá-las mais vê multiplicarem-se os empecilhos e
os desvios. Essa característica governa os romances “O Processo”, onde Joseph
K. é preso e vai de instância em instância descobrindo que nem mesmo seus
prendedores sabem o por quê daquilo tudo; e “O Castelo” onde o agrimensor K.
procura por todos os meios encontrar-se com as autoridades do castelo e
descobre que quanto mais se debate mais afunda.
Os críticos
falam muito no caráter “ilógico” das histórias dele, mas igualmente importante
é o fato de que essa falta de lógica é racionalizada o tempo inteiro. Seja um
narrador onisciente, seja um protagonista na 3ª. pessoa, há sempre alguém
tecendo um bordado interminável de indagações e de razões para que tudo seja do
jeito que é. As novelas de Kafka descrevem e explicam, descrevem e explicam o tempo inteiro; e quanto mais o
fazem menos sentido faz o que vemos e entendemos. Seus personagens se envolvem
em longas discussões que não movem uma palha. É um mundo ilógico cujas
superfícies visíveis são revestidas de retórica.
Há outro aspecto
que depende muito da tradução, mas acho que mesmo assim dá para avaliar. O
vocabulário de Kafka é um vocabulário plano, sem palavras raras, sem imagens
extraordinárias. Uma prosa quase burocrática, onde o único rasgo “literários”
parece ser uma tendência ao aforismo, ao provérbio. Num sismógrafo verbal, sua
prosa fluiria horizontalmente com mínimas oscilações para cima e para baixo. Um
autor onde reencontrei isso foi Paul Auster, na Trilogia de Nova York. É uma
prosa onde a imaginação conta menos do que a capacidade de verbalizar as
camadas periféricas de um assunto sem jamais chegar perto do centro.
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