(Jacob e Wilhelm Grimm, por seu irmão Ludwig)
Até que ponto
pode um pesquisador – um tradutor, um antologista, um editor acadêmico – até
que ponto qualquer desses servidores do texto pode mexer nos textos de autoria
alheia que passam por suas mãos? Uma pessoa conta uma lenda normanda ou bretã
que ouviu décadas atrás; dois homens atentos escutam e rabiscam,
alternadamente. Depois irão comparar notas e decidirão em comum sobre o uso de
regionalismos, de arcaísmos ou formas deterioradas. Assim eram os irmãos Grimm.
Um pouco como Leonardo Mota, Sílvio Romero, Mário de Andrade, Câmara Cascudo e
qualquer outro que anotou coisas pela vida afora.
Jack Zipes
(“Once There Were Two Brothers Named Grimm”) diz que, ao contrário da crença
popular, os Grimms não recolheram aquelas histórias visitando camponeses em
lugares remotos e escrevendo as histórias que ouviam. Seu método predominante
era convidar contadores de histórias à casa onde moravam, e pedir-lhes para
contar sua história de viva voz. “Os irmãos já faziam notas durante a primeira
audição, ou depois de um par delas.”
Talvez anotassem o mais banal, o que lhes fosse mais familiar, mais
previsível, e não percebessem alguma raridade filológica. Talvez percebessem
alguns desses efeitos sutis de estilo e de enredo, e caprichassem neles ao
fazer o registro com pena e tinta.
Câmara Cascudo,
em seu prefácio aos Cantos Populares do Brasil de Sílvio Romero (edição de
1954), diz: “O exemplo de Almeida Garrett e de José de Alencar, que fundira
cinco variantes legítimas do ‘Rabicho da Geralda’ agenciando uma versão
artificial, não o tentou. Quando só lhe era possível conseguir um trecho
apenas, limitava-se a publicá-lo como o recebera. Nos Contos manteve a cor
local, os modismos ficaram, a construção sintática curiosa, as modificações
mínimas que denunciam o espírito popular, são elementos probantes da
honestidade do antologista. Ainda hoje essa renúncia à sugestiva colaboração,
ao arranjo irresistível, é ato difícil.”
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