Não é que a gente não o veja, se bem que em algum caso muito
específico possa chegar a isso. É que a gente não o enxerga a ponto de poder
reconhecê-lo de cara limpa. Os atores que interpretam papéis como o de Freddy
Kruger em A Hora do Pesadelo ou o de Jason em Sexta Feira 13 têm as caras
dos seus personagens. Sempre que vi a foto desses atores, seus rostos se
diluíram em redundância e anonimato. Nem sei como se chamam; para mim são vidas
humanas destinadas a animar arquétipos malignos.
Lembrei agora de Darth Vader, um daqueles vilões cujos rosto
nunca vimos, a não ser em alguns segundos de um terrível clímax. Pouca gente
sabe que o ator que emprestou voz e movimentos a Lord Vader é aquele mesmo
coadjuvante marombado que, em Laranja Mecânica de Kubrick, empurra a cadeira
de rodas do escritor inválido, Patrick McGee, depois deste ser espancado pela
gang de Alex. O nome dele está perto e longe, a dois cliques de distância.
Trabalhou em dois grandes sucessos do século, e a maioria das pessoas não sabe
que o viu duas vezes.
Jason e Vader não se revelam porque usam máscaras, mas
alguns efeitos são ainda mais radicais. Quem é aquele ator que faz o Gollum de O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson? Não faço idéia, embora tenha lido
extensas matérias descrevendo as trucagens utilizadas para dar movimento ao
personagem. O ator ganha ingressos para a première do filme, e tudo o mais, mas
não sei se os moleques dele são capazes de apontar: “Lá está papai!”.
Quando vi pela primeira vez O Homem Elefante de David
Lynch eu já tinha visto alguns filmes com John Hurt, ator de quem sempre
gostei. Ninguém faz melhor do que ele o papel de um underdog, um escorraçado,
um cagado-da-coruja, um cara cuja razão de vir ao mundo é passar por algo
terrível: ele é o Winston do 1984 de Michael Radford, é o cientista em cujo
peito explode o Alien em O 8o. Passageiro. Não o reconheci como o
homem elefante do título por causa do bolo-de-noiva de maquilagem que foi
obrigado a receber. Por mim, qualquer outro ator teria produzido o mesmo
resultado. (Sim sei que não; mas sentimos a ausência de um rosto.)
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