(Abbey Bookshop, em Paris)
Almério mandou o calhamaço de 600 páginas, romance ainda por
cima, pra uma editora carioca. Depois de roer unhas uma semana, ligou para o
editor, Diogo Montalvão. “E aí, Dr. Montalvão, o que o sr. achou?” O editor disse: “Meu querido, eu tenho uma
fila de leitura, por ordem de chegada. O seu acabou de chegar. Ou você pensa
que é o único brasileiro que quer viver sem trabalhar?” “Foi o sr. quem me pediu, o sr. mesmo disse
que eu podia mandar.” “Foi pedido, foi
recebido, será lido, será avaliado.” “E
se alguém me fizer uma oferta muito boa
por ele? Pelo que eu vejo o senhor nem
passou os olhos pelo livro.”
“Acertou. Ele foi para a
prateleira de espera. Eu tenho um vazamento financeiro nas minhas empresas,
preciso tratar. Quando normalizar tudo, eu volto a cuidar da editora.” “Então o senhor não vive da editora, tem mais
de uma atividade.” “Isso mesmo. Ter várias atividades é também uma forma
honrosa de viver sem trabalhar, concorda?
Mas se a Gallimard ou a Penguin lhe fizerem uma proposta irrecusável eu
cedo a vez. Basta me avisar, e desejo sucesso.”
Almério já desligou com o plano armado. A prima em Paris fazia Letras, e o marido
francês dela trabalhava nessa editora.
Ele pediria pro cara lhe mandar um email banal indagando sobre o
manuscrito. O livro dele era uma fantasia heróica: Cavaleiros da Sexta
Profecia, por Almério Patrício. Mostraria o email: “Olhe aqui, Dr. Montalvão,
a Gallimard está me sondando...” Isso
poderia motivar o velho, certo? Ninguém mais
ficaria sabendo, o assunto morria ali mesmo.
De fato a prima conseguiu, e o marido dela até se interessou
pelo livro. “Pensei que a Gallimard era uma editora para intelectuais,” disse
Almério. O francês disse que toda pessoa
capaz de ler e entender um livro é um intelectual, e que fantasia heróica
sempre vende, mas é muito repetitivo, é preciso procurar algo com um gume de
novidade, de diferença. Ele mandou.
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