domingo, 31 de março de 2013

3147) O sol e o mundo (30.3.2013)



Nos livros de Monteiro Lobato em que os personagens do Picapau Amarelo voltam à Grécia da mitologia, volta e meia aparece uma discussão sobre o formato da Terra, que os garotos insistem ser redondo. Os gregos negam com veemência: “Não, a Terra não é redonda, é montanhosa.”  Há uma heterogeneidade nessa conta. Os dois termos não pertencem à mesma ordem de coisas. Dizer que a Terra é redonda é ser capaz de imaginar que a está vendo à distância, “sair de dentro de si mesmo”, de certa forma. E o homem medieval não conseguia sair de si mesmo porque se julgava habitando um Universo cujo centro era a Terra, e na Terra, ele. Para ele, o universo era uma esfera e o mundo que ele via à sua volta era apenas uma secção horizontal dessa esfera, um plano infinito se estendendo de norte a sul, de leste a oeste.


Eu seria desonesto se dissesse que esse modo de ver me é estranho. Mas isto me lembrou duas frases emblemáticas sobre o poder do homem sobre a terra, o poder do Homem sobre a Terra, e concepções cosmológicas sucessivas.

No tempo da Rainha Vitória, o auge do colonialismo cuja faceta talentosa são Kipling, Rider Haggard, Conrad, Wilde, Stevenson, etc., dizia-se do império britânico ser “aquele império onde o sol nunca se põe”.  Durante a lenta rotação da Terra sobre si mesma, ao longo de 24 horas, há sempre metade dela exposta à luz do Sol, e nessa metade havia sempre algum território, havia inclusive um considerável território, de propriedade de Sua Majestade.

Já o coronel de José Lins do Rêgo dizia: “O sol que nasce no Santa Rosa, morre no Santa Rosa.” Uma bela imagem, mas uma imagem bidimensional, de quem considera o Universo o chão retilíneo (ou montanhoso!) que se expande à sua volta, com ele no centro. Ver-se no centro de tudo dá uma sensação de poder, de importância, de fazer sentido... Temos milênios dessa fantasia grandiloquente. Não é fácil aceitar que não somos o centro do Universo.

A frase dos ingleses mostra noção tridimensional do mundo, uma presunção, já espontânea, de que a Terra gira em redor do sol.  O velho senhor de engenho, por outro lado, ainda reflete um esquema visual do mundo. Uma planta-baixa do Universo, se quisermos, onde o mundo é um chapadão em volta do qual o Sol orbita, com pontualidade absoluta. O Coronel talvez não entendesse (visualmente, tátilmente) essa imagem de que o sol jamais se põe sobre a Terra inteira. O mundo dele é (como o dos gregos em O Minotauro) uma superfície plana, onde suas posses precisam cobrir 360 graus de superfície. Um sonho grandioso, respeitável, atingível (não importa por que meios) mas, aqui pra nós, insustentável por mais de alguns séculos.



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