Nos livros de Monteiro Lobato em que os personagens do Picapau Amarelo voltam à Grécia da mitologia, volta e meia aparece uma discussão sobre o formato da Terra, que os garotos insistem ser redondo. Os gregos negam com veemência: “Não, a Terra não é redonda, é montanhosa.” Há uma heterogeneidade nessa conta. Os dois termos não pertencem à mesma ordem de coisas. Dizer que a Terra é redonda é ser capaz de imaginar que a está vendo à distância, “sair de dentro de si mesmo”, de certa forma. E o homem medieval não conseguia sair de si mesmo porque se julgava habitando um Universo cujo centro era a Terra, e na Terra, ele. Para ele, o universo era uma esfera e o mundo que ele via à sua volta era apenas uma secção horizontal dessa esfera, um plano infinito se estendendo de norte a sul, de leste a oeste.
Eu seria desonesto se dissesse que esse modo de ver me é
estranho. Mas isto me lembrou duas frases emblemáticas sobre o poder do homem
sobre a terra, o poder do Homem sobre a Terra, e concepções cosmológicas
sucessivas.
No tempo da Rainha Vitória, o auge do colonialismo cuja
faceta talentosa são Kipling, Rider Haggard, Conrad, Wilde, Stevenson, etc.,
dizia-se do império britânico ser “aquele império onde o sol nunca se
põe”. Durante a lenta rotação da Terra
sobre si mesma, ao longo de 24 horas, há sempre metade dela exposta à luz do
Sol, e nessa metade havia sempre algum território, havia inclusive um
considerável território, de propriedade de Sua Majestade.
Já o coronel de José Lins do Rêgo dizia: “O sol que nasce no
Santa Rosa, morre no Santa Rosa.” Uma bela imagem, mas uma imagem bidimensional,
de quem considera o Universo o chão retilíneo (ou montanhoso!) que se expande à
sua volta, com ele no centro. Ver-se no centro de tudo dá uma sensação de
poder, de importância, de fazer sentido... Temos milênios dessa fantasia
grandiloquente. Não é fácil aceitar que não somos o centro do Universo.
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