Dizem
que é um gênero que se popularizou no Brasil mais do que em outras culturas. A
crônica é uma espécie de transgênico literário, um texto em prosa que flutua
entre gêneros diferentes de acordo com a veneta do redator naquele dia e
naquela hora.
Muitas vezes a crônica tem algo de parábola, porque envolve
pequenos fatos do cotidiano em reflexões mais amplas. Ela enriquece de
significados as pequenas coisas, e numa literatura diária (de jornal), como a
nossa, há mais de um século que beletristas afiam suas penas-de-ganso em temas
como “uma gota de chuva”, “um grão de areia”, “a ponta de um lápis”, “um
cãozinho abandonado” e assim por diante.
Começou como uma espécie de teste de
habilidade: O que você consegue dizer sobre um assunto tão limitado? E hoje já
subiu de nível: O que você consegue dizer sobre isto, que já não tenha sido
repetido nos últimos cento e vinte anos?
A
crônica é mais subjetiva do que o ensaio ou o artigo. Cabe nela, mais do que
nos outros, a presença da pessoa do autor com suas idiossincrasias, suas
pequenas inclinações subjetivas, que num artigo ou num ensaio pareceriam uma
intervenção excessiva do “eu”. O ensaio ou artigo precisa ter um tema central,
nítido. A crônica não: pode ser o simples registro de estados de espírito
sucessivos, de reflexões íntimas sem um foco central.
Algumas
crônicas, mais narrativas, se aproximam ora da anedota, ora do conto. Narram
uma história, mas num tom mais leve e superficial do que o autor empregaria num
conto. A diferença entre conto e crônica é equivalente à diferença entre cantar
e cantarolar.
Autores como Fernando Sabino ou Luís Fernando Veríssimo trabalham
geralmente nessa faixa.
Outras
crônicas se aproximam do poema, ou mais precisamente do poema em prosa. São
textos onde o lado “factual” se minimiza e o autor se dedica ao texto em si,
com ou sem certas simetrias estruturais que remetam ainda mais a esse perfil
poético. Um bom exemplo é o clássico texto de Rubem Braga, “Ai de ti,
Copacabana” (1958), uma crônica com ressonâncias de poema profético do Velho
Testamento.
O que não
significa que o mesmo redator não possa, eventualmente, discutir o sentido do
gênero “crônica” numa crônica propriamente dita. O que não se dá aqui, neste
artigo de viés utilitário, prático, meramente descritivo.
5 comentários:
Bráulio, e o ensaio? O ensaio busca a seriedade, mas com mais leveza do que um artigo acadêmico? Ah, a crônica é algo brasileiríssimo mesmo? Haveria grandes cronistas estrangeiros?
Não me referi a artigos acadêmicos, e sim a artigos de jornal, como os meus. O artigo acadêmico é tão limitadamente literário quanto a bula de remédios ou o manual de instruções de eletrodomésticos. Literaria(jornalistica)mente falando, acho o artigo mais descritivo, mais informativo, e o ensaio é um nível acima: algo mais filosofante, mais ambicioso intelectualmente.
Aliás, muita gente diz que a crônica moderna é uma diluição do modelo dos "Ensaios" de Montaigne.
Até hoje eu ainda me confundo, mas ficou claro.
Aprendendo.
"Anônimo", não existe uma linha nítida de demarcação entre os dois, nem há nenhuma definição "científica". Tudo são impressões, sempre subjetivas.
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