sexta-feira, 18 de junho de 2010
2167) 1001 livros antes de morrer (17.2.2010)
Sou eu que estou mesmo ficando velho, ou é o mundo que está se tornando mórbido por conta própria? Não entro mais numa livraria sem que o assunto da minha morte seja abordado em letras corpo 48 na capa de algum livro. Eles todos me aconselham os 500 discos que eu preciso escutar antes de morrer, as 150 praias em que preciso me banhar antes de morrer, os 1001 livros que preciso ler antes de morrer, e por aí vai.
Fico me visualizando, de sunga, com o mar de Aruba pela cintura, um I-Pod no ouvido tocando Pet Sounds dos Beach Boys (que não ouvi até hoje) enquanto folheio circunspecto Os Buddenbrooks de Thomas Mann.
Será que vai dar tempo? Porque creio já ter visto algo sobre os 200 pratos que preciso experimentar antes de morrer e aí recomeça tudo. Parece que a notícia da mera possibilidade de minha morte tomou de assalto o mercado editorial.
Pra vocês sentirem o drama: eu nem sequer preciso de um catálogo como esse. Os 1001 livros que preciso ler antes de bater as botas já estão aqui, vergando minhas estantes. Isto corresponde mais ou menos a um terço da minha biblioteca. Há um outro terço que já li, e outro que não preciso ler: são livros de ensaios, de referência, de não-ficção, livros que tenho para consulta e eventual pesquisa, mas que não me sinto compelido a ler. Agora, aqueles outros...
É a esperança de ler um livro que nos faz comprá-lo, mesmo quando é um calhamaço de mil páginas. Como já devo ter lido uma dúzia de livros desse tamanho, acredito que posso voltar a fazê-lo; e os tijolos vão se acumulando, esperando a hepatite.
Uso esse termo porque volta e meia ouço história de alguém dizendo que teve uma hepatite, precisou ficar um mês de cama, sem levantar para nada, e em função disso leu os vinte volumes das Memórias de um Médico de Alexandre Dumas. Como meu fígado continua saudável, apesar dos testes a que o submeto, livro não-lidos acumulam-se por todos os cantos.
A pior coisa da idade é quando a gente começa a perceber que já passou da metade do trajeto, e o que resta a cumprir é menor do que o que já ficou para trás.
Mesmo que eu parasse de comprar e de ganhar novos livros a partir de hoje, deveria me dar por satisfeito se encontrasse tempo para ler os que continuam virginalmente intocados nas minhas prateleiras. Não sei se são 1.001, mas mesmo colocando uma média de dois por semana iriam me requerer algumas décadas de dedicação exclusiva.
Conceito cruel, o desses manuais que pipocam por todo lado. Ficam nos ameaçando com uma morte inglória, a morte humilhante de quem nunca escutou a Amazônia de Villa-Lobos, de quem nunca escalou os Apeninos, de quem nunca assistiu Berlin Alexanderplatz, de quem nunca leu Chapadão do Bugre, de quem nunca provou um carneiro assado com castanhas e hidromel num restaurante obscuro de uma ilha grega.
Ameaçam-nos com algo pior do que a morte, que afinal contempla a todos: ameaçam-nos com uma vida sem ter consumido as coisas certas.
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