quinta-feira, 3 de junho de 2010

2111) As melhores cenas de comida (13.12.2009)



(O Fantasma da Liberdade)

Comparar “listas dos melhores” é, para mim, uma maneira de checar meu idiossincrático gosto com o de pessoas mais normais do que eu. Listas alheias não são melhores do que as nossas; sua virtude é serem alheias, diferentes, estranhas, e terem o poder de nos dar idéias a que não teríamos acesso por conta própria. Feita esta peroração, para reduzir a frivolidade da coluna de hoje, volto a comentar as listas do saite FilmCritic, desta vez “As 25 Refeições Mais Memoráveis do Cinema” (http://tinyurl.com/yhns6an). Como sou um homem ocupado, lembrei apenas três cenas, já com a certeza de que numa lista de 25 estariam todas presentes. Ledo engano. Apenas uma das minhas coincidiu com a lista do saite.

Primeiro, uma explicação. Tenho um certo pudor de ver pessoas comendo. O gesto de levar comida à boca, introduzi-la, mastigá-la, engoli-la, me parece meio obsceno. Minha reação é afastar os olhos, como se flagrasse uma pessoa, digamos, executando o ato inverso ao de comer. Por isso gostei quanto o FilmCritic incluiu a famosa sequência de O Fantasma da Liberdade de Buñuel, em que as pessoas trancam-se num cubículo para comer às ocultas, e depois sentam-se numa enorme mesa, num salão elegante, em volta da qual há privadas nas quais eles se sentam, depois de arriar calças e subir saias. Só não coloquei na minha lista porque não considero esta uma cena de refeição propriamente dita.

Minhas cenas: em Frenesi, de Hitchcock, o mau gosto britânico para a culinária é satirizado através da esposa do Inspetor, cuja inabilidade para a gastronomia faz o marido experimentar coisas visualmente horríveis, numa gag recorrente que pontua o filme inteiro. O oposto simétrico disto é a cena de As Aventuras de Tom Jones de Tony Richardson, em que Albert Finney e uma atriz jantam, antes de se recolherem ao leito. O modo como os dois, olhos nos olhos, mordiscam e saboreiam as guloseimas, além de muito divertido, é uma ilustração perfeita da teoria de que quando um homem e uma mulher vão para a mesa antes de ir para a cama já estão na cama, para todos os efeitos. Por fim, elejo (como o fez o FilmCritic) toda a meia-hora final de A Festa de Babette, um filme sobre gastronomia que é na verdade um filme sobre dedicação, devoção e ascese, e que se conclui, após o banquete, com a frase memorável: “Tudo que um artista pede é que lhe dêem condições de mostrar a plenitude de seu talento”. Ou algo assim.

A lista do saite tem algumas bobagens, mas inclui pelo menos uma cena que eu também deveria ter lembrado. A cena de Chaplin comendo a bota cozinhada em Em Busca do Ouro (1925) é um primor de boa idéia e de execução perfeita: chupando os pregos como se fossem ossinhos, enrolando os cadarços no garfo como se fossem espaguete... É uma cena tão carregada de camadas significantes (mímica, metáfora, rima visual, humor, sátira social) que bem pode servir como símbolo de tudo que o cinema já fez para nos deixar com água na boca.

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