segunda-feira, 17 de maio de 2010

2053) Escrever bem, escrever mal (7.10.2009)



Uma das diversões preferidas hoje em dia é mangar dos jovens que escrevem mal. A gente tem uma propensão masoquista a procurar erros, coisas malfeitas. Um vestibulando escreve: “O cerumano é composto de cabeça, tronco e membros...” e rolamos de rir. Ora, a melhor maneira de aprender a escrever certo é ler muito quem escreve certo. Lendo autores que escrevem bem, o leitor irá absorvendo esse modo de escrever de modo semi-consciente, pela superposição de centenas de exemplos concretos, o que é muito melhor do que a repetição e o decoreba de alguma regra abstrata.

Eu próprio aprendi português assim. Os frequentes erros que cometo (porque esta minha coluna, a meu pedido, não é submetida a revisão) se devem ao fato de que poucas vezes me dei o trabalho de folhear uma gramática, que seria o segundo passo, imprescindível. Mas o primeiro passo eu me orgulho de ter dado: ler, ler muito, ler muitos autores brasileiros e portugueses que escrevem bem. Para assimilar intuitivamente as maneiras corretas de se usar uma pontuação, de se conjugar um verbo, de se organizar um discurso em orações diretas, indiretas, subordinadas, o escambau. Mesmo sem saber como aquilo se chama, ficamos sabendo que aquilo existe e se faz daquele jeito. Li Coelho Neto, Eça de Queirós, Fernando Sabino, Humberto de Campos, Érico Veríssimo, Monteiro Lobato e tantos outros sem pensar em gramática. Li porque gostava das histórias deles.

Muitos jovens hoje não lêem esses autores (ou outros que se lhes equivalham) porque acham as histórias bestas, as situações desinteressantes e as ambientações banais. Gostam de aventuras interplanetárias, tramas cyberpunk, hiper-tecnologias transgaláticas, destruição e recriação de Universos... Nada contra, porque eu também gosto. O problema no caso é de carência estilística, porque esses livros ou são lidos em inglês (que até nos ensina alguns aspectos estilísticos, mas deixa de nos ensinar os que são peculiares ao português), ou então em traduções que, na grande maioria dos casos, é apenas sofrível.

Vai daí que muitos jovens autores brasileiros na faixa do 30 ou 35 anos nunca leram um grande autor brasileiro ou português, ou, se os leram, foi em quantidade insuficiente para aquela lenta acreção de virtudes estilísticas que se dá pela exposição a formas diferentes de escrever certo. É fácil dar um manuscrito a um primo que é professor e pedir-lhe “que corrija o português” antes de mandar o calhamaço à editora. O primo corrige os solecismos, os erros de concordância (meu ponto fraco, aliás), os erros de ortografia, etc.; mas não pode corrigir as fraquezas estilísticas, os lugares-comuns, os adjetivos clichês, e principalmente as expressões desajeitadas e surreais que não passam de traduções ao-pé-da-letra de expressões inglesas que o autor absorveu em doses gigantescas e que se incrustaram no seu inconsciente verbal.

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