segunda-feira, 17 de maio de 2010

2051) Ser pacifista (4.10.2009)



Ouço de vez em quando o comentário irônico: “Ah meu Deus, não me diga que você é pacifista... Que coisa mais velha!” Percebo pelo tom (e pela aparência geral do meu interlocutor) que “pacifista” é para ele um epíteto derrogatório. Para esse pessoal, o termo evoca a imagem de um jovem magrinho, de óculos, meio efeminado, vestindo bata indiana branca, parado diante do Pentágono e erguendo uma cartolina onde se lê: “Por Favor, Não Façam Mais Isso!”. Tás conversando, rapaz. Ser pacifista é mais difícil e mais perigoso do que ser guerreiro. Precisa ser muito homem pra ir pra guerra? Pois pra combater a guerra precisa ser mais homem ainda. (Leitoras: “homem” aqui é um termo genérico, sem conotações masculinas, significando “Ser Humano Tomado em Sua Plenitude Moral, Intelectual e Espiritual”, tipo assim.)

Ser pacifista não é ser covarde, como os truculentos apregoam. Pelo contrário, um pacifista é muitas vezes um sujeito mais corajoso do que os valentões. Um valentão é um cara que entra numa briga armado contra um cara armado, para bater e para apanhar, para matar e para morrer. Um pacifista entra na mesma briga desarmado, com a intenção de bater e apanhar o mínimo possível, e de não matar nem morrer. Entra para apartar, para jogar água na fervura, para bloquear ações de violência radical, para impedir que a escalada violenta assuma proporções de catástrofe. E tudo isto sem poder matar ninguém! Pense numa briga desigual.

Um pacifista, numa briga de bar, se mete entre dois sujeitos maiores do que ele, para evitar que se matem um ao outro. Não faz isso por “amor ao próximo”, ou pelo menos não o faz porque valoriza demais os litigantes. Faz porque sabe que as possíveis viúvas e os possíveis órfãos não têm culpa da estupidez dos valentões. Um pacifista é um sujeito que volta pra casa à noite com um hematoma no rosto, a camisa rasgada, e quando a mulher pergunta o que aconteceu ele diz que precisou tomar o revólver de um “caba safado” para que ele não matasse outro “caba safado”. E um pacifista geralmente é casado com uma mulher que compreende o que ele fez, e por quê.

Eu nunca briguei, mas já perdi a conta das brigas que apartei, principalmente em estádios de futebol. Por duas vezes fui preso pela PM e levado para fora do estádio porque estava no epicentro de uma briga, só que estava apartando, mas a polícia quando emburaca não pergunta quem é quem. (Além do mais, em Campina tinha uns fardados que embirravam com o tamanho do meu cabelo, e eram doidos pra me aplicar um corretivo. Nunca conseguiram.)

Tropas da ONU, pessoal da Cruz Vermelha, correspondentes de guerra, tudo isso são pessoas que vão para o campo de batalha sujeitos a levar um tiro na testa ou pisar numa mina e ir pelos ares. São pacifistas, ou pelo menos estão ali a trabalho, sem poder matar ninguém. São covardes? Não, amigos. Se fossem covardes estariam em casa, nos gabinetes políticos, mandando os outros morrerem na guerra em nome deles.

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