sexta-feira, 7 de maio de 2010

2010) “Relato de Prócula” (18.8.2009)




O novo romance de W. J. Solha (Ed. Girafa, São Paulo, 2009) é uma história de mistério, que se resolve dramaturgicamente nos últimos capítulos, mas deixa o mistério mais amplo em aberto para que o leitor questione: será mesmo verdadeira a interpretação da história de Cristo proposta pelo autor? 

Se for, receio que em breves dias ele passe a ser perseguido pelo Bairro dos Estados por um monge albino sadomasoquista de arma em punho, como aconteceu a Robert Langdon, que descobriu e revelou um segredo parecido em O Código Da Vinci.

O mistério tem a ver com a história de um padre chamado Martinho Lutero (o que já provoca um curto-circuito ideológico), da paróquia de Pombal, fazendeiro, cinéfilo, intelectual, namorador (com citação ao “Seu Libório”, de Braguinha). 

Envolvendo-se com uma montagem da Paixão de Cristo, onde deve fazer o papel de Pilatos, o Padre tem no palco uma Revelação fulminante, que abala suas convicções históricas e religiosas e o leva a tentar o suicídio. A tentativa ocorre no começo do livro, e todo o restante mostra os amigos do Padre, que são muitos, tentando arrancar-lhe o motivo que o levou a querer se matar. 

Nesse percurso, monta-se um quebra-cabeças cujas peças são a vida do Padre, o destino das três moças que são suas “afilhadas”, os amigos intelectuais que o cercam, a história da política na Paraíba e do cinema paraibano, e a vida do Jesus Cristo histórico.

O protagonista é um personagem fascinante, que em nada corresponde ao estereótipo do “pároco de aldeia” ou ao clichê do padre nordestino. Aliás, todo o romance é uma desconstrução do romance regionalista tradicional, o que causará surpresa em leitores que conhecem pouco o Nordeste. 

O sertão pombalense de Solha é um sertão onde cangaceiros, beatos e retirantes são sombras no fundo do quadro. É o sertão (para nós óbvio) invadido pela cultura urbana, pela televisão, pela Internet. E o sertão de ontem, também, um sertão com uma faceta culta e letrada que os sudestinos em geral desconhecem, e que Solha ressalta sem forçar a mão. Um sertão onde, meio século atrás, lia-se Somerset Maugham, lia-se Romain Rolland. 

E que, sem negar o sertão de Fabiano e de Antonio Conselheiro, está mais próximo do sertão de Quaderna e sua coorte de intelectuais problemáticos.

Os leitores que, como eu, admiraram a torrente de idéias do poema-livro Trigal com Corvos (comentado nesta coluna em 26.2.2006), irão reencontrar aqui um dos aspectos mais saborosos e surpreendentes do estilo de Solha, a livre associação de idéias a partir de semelhanças formais e estruturais, rimas visuais ou sonoras. É uma descoberta sem-fim de simetrias e contrastes, sinal de uma mente atenta a tudo e que sente prazer com tudo. O prazer de ver, de propor invenções e de compartilhar descobertas. 

Relato de Prócula é um Romance Regional – urbano, contemporâneo e cosmopolita. Algo que não está nos manuais literários, e os manuais que corram a se atualizar.





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