segunda-feira, 19 de abril de 2010
1932) O perigo da série (19.5.2009)
Se usava muito antigamente. Quando víamos uma pessoa emproada, arrogante, metida a besta, dizíamos: “Fulano só quer ser o perigo da série”.
Vi há poucos dias um equivalente carioca: “Fulano só quer ser o gás da Coca-Cola”. Lembro de outra muito engraçada: “Fulano só quer ser o pitó de Gengis Khan”. E outra de fundo historiográfico: “Fulano só quer ser a bala que matou Kennedy”. Serve para descrever gente que só quer ser o centro das atenções, o altar das oferendas, o foco da curiosidade de todos.
“O perigo da série” porque nos antigos seriados do cinema, que em Campina eram exibidos aos domingos, na “matinal das 10 horas”, os capítulos terminavam sempre com o herói (ou a mocinha) numa situação dificílima, a ponto de morrer. Amarrado sobre os trilhos com um trem se aproximando a toda. Preso numa masmorra cujas paredes se fecham lentamente. Acorrentado no chão de uma cabana a que os bandidos põem fogo antes de fugir. Atado a um poste enquanto os zulus fervem um caldeirão de água e dançam em volta. Ou – mais classicamente – pendurado à beira de um abismo, segurando-se a um arbusto, ou uma corda, ou à mão de alguém que tenta puxá-lo para cima.
Este último momento tornou-se um clichê tão recorrente que virou substantivo e conceito literário: “cliffhanger”, o equivalente em língua inglesa a “o perigo da série”. Usa-se porque o herói está “pendurado num barranco” (“hanging on a cliff”).
Por algum motivo freudiano, esta imagem tem em nosso inconsciente profundas ressonâncias de angústia e medo. É a expressão mais pura da sensação de estar indefeso.
Já que falei em Freud, arrisco: o indivíduo pendurado sobre um abismo, e segurando-se apenas numa corda ou num braço estendido, sente-se como se retornasse ao instante do nascimento, quando foi trazido para um vazio gigantesco, e apegou-se apenas ao cordão umbilical para tentar (em vão!) retornar ao aconchegante universo anterior; para não “morrer”.
Deve existir algo de psicanalítico nesta imagem, para que se tornasse tão emblemática. Intriga Internacional e Um Corpo que Cai de Hitchcock, Blade Runner de Ridley Scott, Na linha de fogo de Wolfgang Petersen, King Kong de Peter Jackson...
Estes são os primeiros filmes que me ocorrem; cada leitor pode ampliar ilimitadamente esta lista. O que têm eles em comum? O mesmo perigo da série: a pessoa dependurada sobre o abismo, o “cliffhanger”.
Daqui a algum tempo um cinéfilo com bastante tempo livre vai produzir uma compilação dessas cenas de gente balouçando sobre o vácuo, apegando-se a uma mão salvadora ou a um fio de esperança.
Há outro motivo. A cultura de massas lida com nitidez, e repele a ambiguidade. Gosta de cenas inequívocas, cujo significado possa ser apreendido em um milésimo de segundo, e reiteradamente reconfirmado em cada segundo posterior.
Existe imagem menos ambígua do que a de uma pessoa solta sobre um abismo, gritando de terror, segurando-se num apoio precário e olhando para nós?
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2 comentários:
Sobre os seriados:
Braulio, a respeito dos seriados, lembro disso: meu pai, nos anos cinquenta, nunca tinha ido ao cinema e um dia resolveu me levar para assistir o seriado “O Terror dos Espiões”. Nesse capítulo que assistimos, o mocinho ficou no seguinte perigo: tinha sido muito castigado pela pancadaria dos malvados e, zonzo, ao se levantar, sem saber nem onde estava, um dos bandidos, de cima de um barranco, o alvejou com uma rajada de metralhadora. No sábado seguinte, lá fomos nós, eu ansioso, meu pai nem tanto, para ver o que tinha acontecido. Claro que o bandido errou os tiros etc, etc, e o mocinho se salvou. Meu pai, inconformado, dizia que era impossível o cara ter escapado de todos aqueles tiros. Que a “fita” era uma enganação e que ele nunca mais pagaria para ver uma mentira daquelas! E nunca mais foi ao cinema.
Ruy.
O curioso é que estes seriados que povoaram a minha infância nas matinês de domingo, foram todos produzidos na década de 40 e eu os assisti no final dos 50, entrando nos 60... 😊
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