domingo, 11 de abril de 2010
1899) “Milk” (10.4.2009)
Este filme deu ao ótimo Sean Penn o Oscar de melhor ator. Penn dá ao personagem Harvey Milk o equilíbrio exato entre seriedade e descontração, entre contenção e trejeitos, entre coragem moral e fragilidade emocional. Milk existiu: era um ativista político, e o primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo público nos EUA. Todo o período narrado pelo filme, até ele ser morto a tiros em 1978, coincide com a decadência do movimento hippie e do “flower power” em San Francisco (onde ele era simbolizado nas esquinas de Haight-Ashbury, uma espécie de “Ipiranga e Avenida São João” local) e o início da politização do movimento gay nos EUA.
Milk foi uma das locomotivas desse movimento, com duas proposições decisivas. “Meu nome é Harvey Milk, e estou aqui para recrutá-los” era a primeira delas. Um chamado à luta, uma espécie de “Come together!”. A segunda proposição era: “Saiam do armário, revelem-se, para que todo mundo fique sabendo que um de seus parentes ou amigos é homossexual, que somos gente como eles, não somos psicopatas nem criminosos”. Funcionou.
Este filme de Gus Van Sant comporia um bom programa duplo com, por exemplo, Brokeback Mountain de Ang Lee, formando um díptico tipo “Antes x Depois”. O Antes é aquela situação angustiada, destrutiva, de quem sabe que é diferente mas não pode sequer tocar no assunto. Era um tempo e um lugar (como lembra o personagem vivido por Heath Ledger) em que se dois homens fossem morar juntos num rancho eram presos, arrastados pelos cavalos, fuzilados e queimados. O Depois tornou-se possível graças ao ativismo de gente como Milk. Muitos deles sabiam que estavam arriscando a vida ao bater de frente com a América rancorosa e puritana, mas foram adiante assim mesmo. Como disse certa vez um jornalista norte-americano, “precisa ser muito macho para ser gay neste país”.
Embora a vida pessoal de Milk seja mostrada sem pudores, o filme não é (como Brokeback) sobre o homossexualismo em si, é um filme sobre política, sobre luta por direitos. É um filme sobre um dos paradoxos da democracia republicana ocidental: todos são iguais perante a lei, mas para conseguirem sê-lo vão ter que lutar muito. Como dizia George Orwell, “todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”. Negros, pobres, mulheres, gays, deficientes físicos, imigrantes: todos precisam subir numa caixa de sabão, empunhar um megafone e berrar diariamente: “Nós também somos iguais!” Porque são muitos os chamados pelas Constituições, e poucos os escolhidos pela prática cotidiana.
Isto faz do filme de Van Sant um filme sobre ação política, sobre luta pelos direitos. Lembra O Homem de Kiev de John Frankenheimer, a história dramática do cara que é preso injustamente e pede para ser julgado. Mesmo quando a polícia diz que vai soltá-lo, ele diz: “Eu não quero ser solto. Quero ser julgado, e declarado inocente”. Este é o mais básico direito civil - o direito de ter os mesmos direitos que todo mundo.
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