quarta-feira, 24 de março de 2010

1818) Diálogos filosóficos (6.1.2009)



(Platão e Aristóteles, detalhe de A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio)

Era uma tarde amena e primaveril na planície do Peloponeso, e dois filósofos pré-socráticos caminhavam pela estrada, esgrimindo suas dialéticas. Disse Empedóclito:“O conceito de ser, meu caro Herístocles, tem que necessariamente passar pelos sentidos. Posso te garantir, por exemplo, que aquela nuvem de poeira que se aproxima ao longe está sendo causada pelo rinoceronte que galopa no meio dela. Como poderia eu perceber as duas coisas, nuvem e rinoceronte, se não fosse dotado de visão?” Herístocles deu uma risada e contrapôs: “Eu poderia te desmentir de dez maneiras diferentes, caro amigo. Mas teus argumentos são tão fracos que me é muito mais divertido corroborá-los, mesmo sabendo que estão na pista errada. Porque ainda que fosse eu um cego, poderia perfeitamente perceber a aproximação do teu rinoceronte imaginário, devido ao rumor do seu tropel, e ao impacto do seu peso sobre o chão, que percebo através das minhas sandálias”.

“Concordas então,” disse Empedóclito, “que as mensagens dos sentidos são suficientes para atestar a realidade de um ser?” Ao que Herístocles retorquiu: “Nem de longe, caro amigo. Nossos sentidos nos enganam o tempo inteiro. No deserto, fazem-nos imaginar a proximidade de um oásis; e quantas vezes julgamos ouvir vozes humanas no grito de um pássaro ou ladrar de um cão!” Empedóclito insistiu: “Não podes negar, contudo, que este rinoceronte é real, e que se aproxima de nós!” “Como sabes que se aproximas?” “Ora, porque sua imagem aumenta a olhos vistos, bem como fica mais forte o ruído do seu galope”. “De fato, concordo, mas seria igualmente lícito imaginar que ele não galopa, apenas sapateia imóvel lá onde está, e que é seu corpo que cresce, torna-se mais volumoso e pesado, hipótese que responderá também pelo ruído mais forte de suas patas sobre a terra”.

Empedóclito enxugou a testa numa dobra da túnica, e sugeriu: “Vês aquele garoto que se banha no rio, ao longe? Será que um terceiro testemunho não poderia dirimir nossas dúvidas?” Herístocles deu de ombros: “Não creio. Em primeiro lugar, ele talvez registrasse apenas a existência de um rinoceronte cuja imagem diminuía, e cujos passos se tornavam menos audíveis. Algo que de modo algum coincide com nossa experiência, sendo mesmo o inverso dela.” “Mas claro,” disse Empedóclito, “se ele está do lado oposto, é natural que...”

Não pôde concluir sua frase, porque nesse instante o rinoceronte rompeu através dos dois com suas cinco toneladas de peso, mais que suficientes para esmagar qualquer dupla de filósofos, caso filósofos ali houvesse. Empedóclito e Herístocles constataram assim sua própria não-existência (pois de fato nunca existiram), ao passo que o rinoceronte, não-personalizado, não-específico, se impôs com seu peso arquetípico de conceito universal, e prosseguiu galopando. Platão, então um mero garoto a banhar-se no rio, viu tudo e nunca mais esqueceu.

Nenhum comentário: