sábado, 20 de março de 2010
1801) Um crime de nossa época (17.12.2008)
(Bernard Madoff)
Comentei aqui (em 7.9.2005) o livro O Adversário de Emmanuel Carrere (Ed. Record). É a história de Jean-Claude Romand, um francês que fingia trabalhar na Organização Mundial da Saúde, e durante dezoito anos viveu das economias da mulher, dos pais, dos sogros. Pegava o dinheiro e dizia aplicar num banco suíço. Quando alguém queria fazer um saque, ele arranjava mais um empréstimo e aumentava a bola de neve. Quando foi descoberto, matou a mulher, os filhos, os pais, e tentou se suicidar. Está na cadeia até hoje. Sobre sua história foi feito um ótimo filme, L’Adversaire, dirigido por Nicole Garcia, com Daniel Auteuil.
O espantoso é que ninguém desconfiou. Mais espantoso ainda, contudo, é a quantidade de histórias parecidas que estão pipocando nos EUA após o estouro da bolha financeira dos bancos. É o caso de Marc Dreier, advogado de alto escalão em Nova York, que durante anos controlou um escritório que transacionava fortunas em fundos. Descobriu-se agora que o dinheiro desaparecido (em prejuízos, papéis fictícios, etc.) está na casa dos 380 milhões de dólares. Quase todos os 250 advogados que trabalhavam para ele estão à procura de emprego.
Mais grave ainda foi o caso de Bernard L. Madoff, que saiu até no “Jornal da Globo” (ver em: http://www.nytimes.com/2008/12/13/business/13investors.html). Denunciado por dois dos seus próprios filhos que se sentiram lesados em seus investimentos, Madoff foi preso e descobriu-se que o buraco gerado por suas atividades está em torno de 50 bilhões de dólares. Madoff pagava altos dividendos e cobrava taxas pequenas. Agora, é acusado de ter montado um “Esquema Ponzi”, golpe em que o investidor fica com o dinheiro para si próprio e quando um cliente pede sua aplicação de volta ele capta mais investimentos, rolando o problema para o futuro.
Madoff tinha mansões, iates e carros de luxo em Nova York e na Califórnia, e dava festas onde se bebia e se comia à tripa forra. Sobre os seus clientes, que estão apavorados, diz um advogado de Manhattan: “São pessoas que tinham um imenso patrimônio dias atrás, e que agora se descobrem sem um tostão. Nada restou do que possuíam, a não ser os apartamentos ou casas em que moram, e que em breve terão de vender para poder tocar a vida adiante”. Um investidor arruinado disse: “Trinta e seis anos de fidelidade, durante duas gerações, e é isso que ganhamos”.
O caso de Jean-Claude Romand é um crime comum, mas é o que podemos chamar de “um crime de época”. Um caso patológico no qual se cristaliza o espírito de um tempo, de uma geração, do modo de viver que um mundo aceita como ideal e necessário. O capitalismo internacional está fazendo aos poucos com o mundo ocidental o que Jean-Claude Romand fez com a própria família. Embolsou o dinheiro alheio com promessas de ganhos mirabolantes e o gastou numa farra permanente. Na hora da verdade, só lhe restará matar os credores e suicidar-se.
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