sábado, 20 de março de 2010
1804) Nonada de novo (20.12.2008)
Teorizar sobre a palavra “nonada” é um esporte nacional brasileiro. Encontrei por acaso o blog de Geraldo Teixeira (http://bit.ly/bpr9Ea), onde ele examina a genealogia desta palavra que abre o Grande Sertão: Veredas. Discutir seu significado não rende muito. Os analistas concordam ser uma forma de dizer “não + nada”.
A tradução em inglês, de Harriet de Onís, diz: “It’s nothing”, quando por mim não custava nada dizer “Nonothing”, ou “No-nothing” com hífen, para atenuar a estranheza. Estranheza que lá é bem maior, porque aqui são muitos os exemplos dessa palavra, que Rosa terá visto em mais de um lugar.
O blog de GT cita Gregório de Matos ("Vendo o pouco que duraste, / da vida foste um nonada, / nem foste rosa, nem nada, / se tão depressa acabaste"), cita Santa Teresa de Ávila (“Tenía que decir muy poco o nonada”), e cita Cervantes no Dom Quixote, quando o fidalgo compara as linhagens de pessoas que há no mundo: “Otros, que, aunque tuvieron princípios grandes, acabaron en punta, como pirámide, habiendo diminuído y aniquilado su principio hasta parar en nonada, como lo es la punta de la pirámide, que respeto de su basa o asiento no es nada.”
GT cita também um ensaio de Charles Feitosa (“No-nada. Formas brasileiras do niilismo”), em que este elogia a tradução alemã para o termo rosiano, que Curt Meyer-Clason desdobra numa frase: “Hat nichts auf sich”, que seria literalmente: “nada tem em si”.
Uma idéia que o próprio Rosa vem a glosar, quando Riobaldo pisa e repisa, num confronto verbal com Zé Bebelo: “Pois é, Chefe. E eu sou nada, não sou nada, não sou nada... Não sou mesmo nada, nadinha de nada, de nada... Sou a coisinha nenhuma, o senhor sabe? Sou o nada coisinha mesma nenhuma de nada, o menorzinho de todos. O senhor sabe? De nada. De nada... De nada...”
“Nonada” é de uso corrente. Numa tradução da década de 1950 das Histórias de Sherlock Holmes (sem data – não dá para saber se é posterior ao “GSV”), Agenor Soares de Moura a emprega, numa fala de Holmes a Watson: “Eu chego quase a ver você sussurrando nonadas à jovem dama da Âncora Azul, e recebendo em troca muito mais que nada” (a expressão no original é “soft nothings”).
E devo a Vladimir Carvalho a indicação de outra ocorrência, desta vez em Os Sertões de Euclides da Cunha (“O Homem”, capítulo 5):
“Diz uma testemunha: Alguns lugares desta comarca e de outras circunvizinhas, e até do Estado de Sergipe, ficaram desabitados, tal a aluvião de famílias que subiam para os Canudos, lugar escolhido por Antonio Conselheiro para o centro de suas operações. Causava dó verem-se expostos à venda nas feiras, extraordinária quantidade de gado cavalar, vacum, caprino, etc., além de outros objetos, por preços de nonada, como terrenos, casas, etc. O anelo extremo era vender, apurar algum dinheiro e ir reparti-lo com o Santo Conselheiro”.
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