sábado, 6 de março de 2010

1751) A maldição do poder (21.10.2008)



Um amigo meu, aqui no Rio, votou em Fernando Gabeira no primeiro turno das eleições municipais. Apurados os votos, ficou definido que disputarão o segundo turno Gabeira e Eduardo Paes do PMDB. Encontrei meu amigo ontem, e perguntei se estava animado com as chances de Gabeira. “Vou votar em Paes”, disse ele. E diante da minha surpresa: “Gabeira é um homem de bem. Não quero vê-lo no Poder. Os homens de bem devem ficar sempre na Oposição, porque o Poder é um veneno para eles”.

Todos nós ficamos perplexos com as guinadas sofridas por alguns políticos depois de eleitos. Parece que o Poder tem um miasma, um agrotóxico invisível, um amianto solerte que se infiltra nos cérebros e nas consciências, trazendo danos irreversíveis. Sugeri essa teoria e meu amigo concordou: “Exatamente. Se eu fosse americano, votaria em McCain, porque esse já está perdido. Mas um rapaz decente como Obama não pode entrar na atmosfera insalubre da Casa Branca. De jeito nenhum! Nem Jimmy Carter escapou”.

Toda vez que um político de oposição chega ao poder ele descobre que na verdade o seu exército não derrotou o exército adversário. Ele ganhou a guerra, e foi nomeado general do exército adversário! Mal chega ao poder ele percebe que a tal da “máquina da corrupção” que ele jurou combater permanece encastelada nas mesmas posições onde se encontra há séculos, e que não é a chegada dele e do seu Partido que vai desenraizar esse feudo.

O que acontece, então? Ele e o seu Partido começam a se adaptar, minoria que são, às leis secretas e aos procedimentos internos dessa poderosa máquina. Não importa quem seja o titular do cargo: o Poder é da máquina, e quando o titular do cargo não se comporta de acordo com ela, a máquina dá um jeito de sabotar-lhe o mandato, comendo pelas beiras todas as suas boas iniciativas, espalhando cascas de banana administrativas e diplomáticas, fazendo-o incorrer em erros e omissões, iludindo-o aqui com promessas de apoio fácil, vergastando-o acolá com denúncias sempre que ele mete os pés pelas mãos. A Máquina são milhares de legisladores, lobistas, funcionários públicos, empreiteiros, publicitários, juízes, promotores... E para cada um desses indivíduos bote algumas dezenas de assessores, familiares, amigos, apaniguados, protegidos em geral. Eis a Máquina.

“Com correligionários assim ninguém precisa de Oposição,” deve ter meditado mais de um governante aqui e em Istambul, na Bósnia-Herzegovina e na Guatemala. Como diz meu irmão Pedro, “triste do Poder que não pode”, e essa é uma descrição patética do poder republicano num país onde a corrução se instalou como uma dinastia de cupins onipresentes. Iludimo-nos imaginando que basta “ser dono da caneta” para fazer o que bem quiser. A caneta assina, mas não se sabe ao certo quem redigiu. Gabeira e Obama que se cuidem. Às vezes a vitória nas urnas é apenas A Porta Para o Abismo.

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