quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
1700) Comida comunitária (23.8.2008)
Numa ida rápida ao Banco encontro com meu vizinho Egeu Laus, que de uma esquina a outra me apresenta o conceito de Slow Food, proposto por grupos que querem se contrapor não apenas ao sanduíche-iche-iche multinacional, mas à despersonalização dos hábitos que a cultura de lanchonete acarreta. Egeu lembra o conceito clássico do “ágape”, que significa entre os gregos amor ou afeição, e foi transplantado para os tempos cristãos como sinônimo de banquete, ou de comida comunitária, congraçamento, convivência e outras prefixações que sugerem o entrelaçamento harmonioso das vontades e dos prazeres.
Não me constrange admitir que como “fast food”. Detesto os hamburgers do MacDonald’s; prefiro os nuggets de frango. No Bob’s vou de salada de atum. No KFC gosto dos frangos empanados (apesar do colesterol recorde), e tem uma Salada Crocante que me quebra um galho. Como se vê, não sou um fundamentalista, um radical hardcore, e acho que isto dá equilíbrio e credibilidade às minhas escolhas. E podendo escolher prefiro a comida vagarosa, regada a cerveja, música e papo.
A Comida Comunitária nos lembra um aspecto que vai mais além do alimentício. Ela é uma reunião de pessoas que, sob o pretexto de comerem juntas, vivem juntas durante algumas horas, relacionando-se, trocando informações, aparando arestas, reafirmando laços. Ou até mesmo tolerando-se mutuamente, porque a tolerância é a quarta virtude teologal. Comida comunitária quer dizer fundo de quintal, terraço no sábado à tarde, restaurante com mesas longas e bancos de madeira onde cabem quinze pessoas de cada lado. É a mesa na casa grande da fazenda, com o patriarca à cabeceira, a família e os hóspedes próximos a ele, e o resto da mesa ocupado pelos serviçais, até o mais humilde peão, todos almoçando juntos.
Comida Comunitária é a buchada nordestina, a feijoada carioca e o caruru baiano. “Amanhã tem um caruru na casa de Fulano!” Não é uma dica gastronômica, é uma convocação social. Que eu saiba, nenhuma dona de casa baiana prepara um caruru para comê-lo a sós com seu respectivo. Caruru só presta no panelão, com a casa cheia de gente. Feijoada e buchada são pretexto para violão, tumbadora e cavaquinho.
O fast-food não é invenção dos americanos, também é coisa nossa. É a comida às pressas, sozinho, em silêncio, no intervalo entre dois turnos do escritório. Era a refeição escravocrata dos botequins de Copacabana que conheci há quase 40 anos, em que um sujeito comia um prato-feito sentado ao balcão enquanto atrás dele uma fila indiana e silenciosa esperava, até ele dar a vez ao próximo. Naquele recinto apinhado de gente, cada um comia a sós, sem cruzar um olho, sem trocar uma palavra, sem perder um minuto. A comida tinha que ser rápida, porque o taxímetro do patrão estava tiquetaqueando no local de trabalho. “Quem come depressa morre ligeiro”, rezava a sabedoria das tias de antanho, cuja longevidade atesta o quanto sabiam viver.
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Um comentário:
Esses comensais solitários e silenciosos de copacabana me fizeram lembrar de um filme do Buñuel onde, reunidos à mesa, as pessoas "descomem" enquanto conversam animadamente.
Em contrapartida, trancam-se num reservado pra se alimentar.
Rápida e silenciosamente.
Aliás, falando em comidas e Dom Luís, geniais tb são aqueles jantares no 'charme discreto' que nunca se realizam. E quase todo o filme gira em torno deles ...
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