sábado, 6 de fevereiro de 2010

1615) “Down by Law” (16.5.2008)




Down by Law (1986) foi um dos grandes filmes cult do Rio de Janeiro na década de 1980. Exibido no Estação Botafogo, tornou-se na mesma hora o queridinho dos cineclubistas locais, com sessões lotadas em todos os horários, críticas entusiasmadas, e até mesmo o surgimento daqueles pequenos rituais de fãs – pessoas reunidas na calçada recitando ao pé da letra, em voz e alta e coletivamente, os diálogos do filme, principalmente a famosa cena trocadilhesca em que os personagens andam em círculo na cela da prisão gritando: “I scream, you scream, we all scream for ice-cream!”. A paixão pelo filme era tão grande que o distribuidor foi proibido de traduzir-lhe o título (que aliás vem da gíria dos músicos de jazz: “down by law” significa ter pago suas dívidas, merecer o que conseguiu). Foi preciso dar ao filme a tradução fonética: “Daunbailó”.

É outro dos filmes minimalistas de Jim Jarmusch, como o Estranhos no Paraíso que comentei dias atrás. Mais uma vez três protagonistas que se encontram meio por acaso, não morrem de amores uns pelos outros mas dão um jeito de conviver e até de se divertir juntos. Desta vez são três homens. John Lurie faz um cafetão atrapalhado que se deixa pegar numa armadilha montada por um rival. Tom Waits faz um DJ desempregado que aceita um trabalho onde há visivelmente algo de ilegal. Os dois são presos e acabam na mesma cela. Depois chega ali um italiano que fala inglês macarrônico, preso por homicídio involuntário. É Roberto Benigni, que 11 anos depois ganharia o Oscar com A Vida é Bela. Os três conseguem escapar da prisão, fogem por entre os pântanos de Louisiana, e no fim se separam.

Grande parte dos méritos do cinema de Jarmusch se dá no equilíbrio entre as situações banais sugeridas pelo roteiro e a sensação permanente de instabilidade e imprevisibilidade produzida pela interpretação dos atores (que improvisam com freqüência). Além do mais, Jarmusch consegue, sabe Deus como, criar interesse numa história na qual fica claro, desde o início, que “suspense” é palavra tabu. Seus filmes não são aquela vertiginosa narrativa norte-americana que nos empurra para diante, sequiosos para saber o que acontecerá em seguida. Em seus filmes não há futuro, não há expectativa, não há mistério a ser resolvido ou objetivo a ser alcançado. São puro presente, puro instante. Não sabemos o que os personagens estão pensando. Não sabemos como vão agir ou reagir. Cada minuto de filme tem a mesma imprecisão de um minuto de vida.

O histrionismo álacre e ingênuo de Benigni, comediante profissional, contrasta com o naturalismo da interpretação dos músicos John Lurie (enfastiado, impaciente, sarcástico) e Tom Waits (blasé, áspero, soturno). Em momento algum os três dão a impressão de se gostarem, mas convivem juntos, fogem juntos da prisão (a fuga mais fácil da história do Cinema), separam-se na estrada sem frases bonitas e sem violinos ao fundo, num desfecho que lembra Cinema, Aspirina e Urubus.

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