sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

1614) O cordel do futuro (15.5.2008)



Muito se fala nas futuras encarnações da literatura de cordel, neste tempo de computadores, internet, etc. Prefiro falar nas futuras encarnações do Romanceiro Popular Nordestino, que é o conjunto de histórias em versos a que chamamos de “literatura de cordel” por mera analogia material com o formato gráfico usado para publicar esse Romanceiro desde que Leandro Gomes de Barros começou a publicar seus primeiros folhetos no Recife, nos anos 1890. O Romanceiro usou os folhetos de cordel, mas não depende deles. Longa vida aos folhetos, é o que desejo; mas o Romanceiro já existia antes dos primeiros folhetos serem impressos. Não devemos confundir um conjunto de obras literárias com o formato gráfico preferido para sua disseminação e comercialização. São duas coisas diferentes.

Pensemos nos folhetos jornalísticos, por exemplo, nos famosos folhetos de reportagem e comentários aos fatos da atualidade: um crime célebre, a morte de alguém famoso, a eleição de um político, a conquista de um campeonato no futebol, etc. Folhetos assim fizeram a fama e a fortuna de numerosos cordelistas, porque, em termos da palavra impressa, mais rápido do que o cordel só mesmo os jornais diários. No auge do cordel, que foi mais ou menos entre as décadas de 1930 e 1950, se morria um figurão no domingo podia-se ter como certo que na segunda-feira já haveria folheto sendo vendido na rua, versando toda a história.

O que me traz a esse conceito tão usado nos tempos da Internet: “tempo real”. Duas coisas ocorrendo simultaneamente em espaços diferentes. O ideal de um “poeta repórter” (como se auto-intitulava o pernambucano José Soares) seria poder colocar o folheto na rua mal o fato tivesse acabado de ocorrer, ou, no caso de fatos contínuos (uma guerra, p. ex.) fazer a cobertura à medida que novos eventos fossem se sucedendo.

Imagino que no ano 2050 o Poeta Repórter será um cara jovem, articulado, bem informado, com um saite onde ele comentará em versos os principais acontecimentos. Um saite como o do jornalista Ricardo Noblat, em Brasília. No auge do escândalo do mensalão, o saite de Noblat (cuja cobertura dos fatos, e opinião sobre eles, todo mundo queria saber) chegou a ter dezenas de milhares de acessos por dia. Noblat conhece cordel (tenho em meus arquivos um artigo seu dos anos 1970). Esse repórter do ano 2050 será um Noblat que sabe fazer versos na hora, com um olho no Plantão do Jornal Nacional e outro no teclado, onde batuca as sextilhas à medida que as informações se sucedem.

No Brasil inteiro, em lan-houses, residência, escolas públicas, a rapaziada jovem acessará o saite desse Poeta Repórter do Futuro sempre que precisar de um comentário mordaz e agudo sobre o que está acontecendo – e um comentário em versos, que é o diferencial do cordel. Um poeta talentoso e rápido poderá fazer folhetos eletrônicos em tempo real, sem papel, sem tinta. Uma futura encarnação muito bem vinda, e, quem sabe, inevitável.

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