quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1488) A doce pornografia (20.12.2007)


(Doll, de Hans Bellmer)

Carlos Drummond já dizia: “Sejamos pornográficos, docemente pornográficos... Por que seremos mais castos que nosso avô português?”. A pornografia é a mais incompreendida das artes, até porque quando usamos este termo estamos nos referindo à Pornografia do Sexo, às artes voltadas para a descrição dos atos sexuais. Ora, existe também a Pornografia da Violência, hoje em dia tão em moda no cinema e nos videogames. Existe a Pornografia da Afetividade – os livrinhos e fotonovelas de amor destinados às jovenzinhas e às donas-de-casa. Existe a Pornografia da Política, mais conhecida como “o romance engajado”, aquele em que todas as relações humanas são reinterpretadas em função da luta de classes e da ascensão do proletariado. Pornografia é qualquer arte que bate o tempo inteiro numa única tecla, numa única nota.

A Pornografia do Sexo parece ser mais antiga que todas estas, e nas bibliotecas tradicionais era confinada a um setor chamado “O Inferno”, ao qual só tinham acesso leitores autorizados. (Uma interessante metáfora do próprio sexo, ou seja, a genitália humana sendo uma parte a que só têm acesso pessoas autorizadas pelo Estado e pela Igreja, através do casamento civil e religioso.) A Biblioteca Nacional de Paris está abrindo neste mês de dezembro (até 2 de março) uma exposição intitulada L’Enfer de la Bibliothèque - Éros au secret, organizada por Marie-Françoise ­Quignard e Raymond-Josué ­Seckel, na qual estão expostas mais de 350 obras, entre livros, fotos e gravuras, que fazem parte desse acervo proibido. Ali estão autores obscuros dos séculos 18 e 19, além dos inevitáveis Georges Bataille, Jean Genêt, Guillaume Apollinaire e o Marquês de Sade (do qual está em exibição o manuscrito original de Justine, ou Os Infortúnios da Virtude). Baixem o catálogo aqui: http://www.bnf.fr/pages/catalog/rtf/enfer.rtf.

A mostra conta com um interessante recurso publicitário: uma estação desativada do metrô (Croix Rouge, na linha 10) está sendo usada como vitrine: o trem não pára ali, mas ao passar por ela os passageiros a verão iluminada e cheia de cartazes e reproduções de obras, convidando o público a comparecer à Bibliothèque. A exposição é proibida para menores de 16 anos, o que levou os jornalistas do websaite The Literary Salon a afirmar que “a proibição é apenas um truque dos bibliotecários para atrair a atenção dos garotos e fazê-los pensar que os livros podem ter algo interessante para oferecer”.

Resta uma questão. Uma exposição assim prova que, finalmente, a cultura ocidental conseguiu chegar a um acordo com o erotismo e a sexualidade, e não mais considera essas obras transgressoras como uma ameaça? Ou significa que a pornografia (principalmente após o excesso de oferta na Internet) invadiu o mundo como um exército de bilhões de cupins triunfantes, e que não há outro recurso senão depor as armas e render-se ao seu poder? Quem puder ir a Paris, dê uma olhada e me informe.

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