quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

1483) Pikachu Metallica (14.12.2007)




Ouvindo o nome a gente nunca o liga à pessoa. Pikachu Metallica é um rapaz de seus vinte e poucos anos, de modos reservados, óculos discretos, vestindo-se como um estudante de Direito, o que de fato é – forma-se no ano que vem. 

Mora com a mãe num apartamento em Botafogo, a vinte metros do Espaço Unibanco de Cinema, do qual é freqüentador assíduo. Foi lá que o conheci junto a um grupo de amigos que estava fazendo hora, tomando cafezinho, à espera da primeira sessão de um filme de Eduardo Coutinho.

Claro que seu nome não é esse; chama-se Marcelo, Maurício, alguma coisa assim. Mas o apelido pegou e não saiu mais. Um dos amigos que estavam com ele naquele dia tinha sido meu aluno numa oficina qualquer. Entre um café com leite e um pão de queijo, começamos a trocar idéias sobre documentário, e me admirei em ver que aqueles caras tão jovens tinham visto a maior parte dos meus clássicos preferidos, desde Flaherty até Chris Marker.

A história de Maurício foi se desvendando aos poucos, principalmente nos dias em que ele não aparecia. 

Me disseram que ele era o ai-jesus da mãe viúva, que lhe fazia todos os gostos. Aos seis ou sete anos foi contaminado, como tantos outros de sua geração, pelo vírus Pokemon, contra o qual a Ciência permanece impotente. Viu todos os desenhos do Cartoon Network, colecionou todos os bonecos, sabia de cor os nomes, as propriedades, a evolução. (Aliás foi ele quem me mostrou a música de Caetano Veloso sobre o Pokemon, gravada por Cássia Eller, aquela que diz “Tenho que pegar, tenho que pegar... Será que ela evolui?”) 

Um dia, exigiu fazer uma tatuagem nas costas. A mãe (carente, devota, apaixonada) cedeu.

O problema é que Marcelo evoluiu. Surgiram as primeiras espinhas, os primeiros pentelhos. As glândulas endócrinas começaram a viciá-lo em hormônios, os tímpanos, afinados como tamborins de escola, passaram a exigir doses cada vez maiores de guitarra e estridência. 

Ele jogou fora todas as quinquilharias da infância e aderiu ao heavy-metal. Só se vestia de preto, usava correntes, o cabelo parecia o da Maga Patalójika. CDs de bandas com aparência Neandertal se empilhavam no seu quarto. A mãe (cansada, míope, costurando o dia inteiro) já nem tinha mais forças para argumentar quando ele, envergonhado da tatuagem nas costas, anunciou que ia fazer outra no peito.

Nada como uma namorada para nos curar de certas deformações masculinas. Quando os decibéis do metal foram amainando, ele conheceu numa festa a tímida Joana. Com uma delicadeza implacável e uma doçura irresistível ela o fez cortar o cabelo, organizar-se, vestir-se feito gente. Ele passou no Vestibular. Entrou para um cineclube. Descobriu Chico Buarque, Duke Ellington, José Saramago. 

Hoje é um rapaz feliz, vai casar depois da formatura. Joana é que não entende por que motivo ele não gosta de ir à praia, e por que, quando está com ela, ele só tira a camisa na escuridão total.






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