segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

1473) A utilidade dos clichês (2.12.2007)




Vi certa vez uma matéria mostrando um jornalista norte-americano de TV fazendo uma reportagem no Brasil, sobre algum evento internacional que ocorria aqui. No momento de gravar a matéria para exibição nos EUA, o jornalista chamou o câmera e o conduziu para o jardim do hotel 5 estrelas onde estavam hospedados. Ali havia um muro coberto de cipós e ramagens de árvores; e ali ele gravou a matéria, com as plantas ao fundo. Indagado por quê, explicou: 

“Eu preciso convencer o telespectador de que estou no Brasil. Se colocasse uma parede qualquer, ou uma piscina do hotel, seria insuficiente”. 

Ou seja: na cabeça do americano médio, cipós e folhagens são um clichê associado ao nosso país, e servem como ícone dele. Mesmo que a matéria tenha sido feita em Brasília.

Se a gente ao começar um filme precisa indicar a cidade em que ele se passa (se isso é importante para a história), o caminho mais prático é recorrer ao clichê. Mostra a Torre Eiffel, ou o Corcovado, ou o Coliseu, ou o Elevador Lacerda – e pronto. 

Se algum espectador não conhecer esses monumentos, problema dele. Mas o clichê é o caminho mais curto para uma afirmação inequívoca. Mais explícito do que isto somente colocando em letras enormes (como muitos filmes ainda fazem) o nome da cidade, até com certo grau de detalhe: “Amsterdam, Holanda”.

As telenovelas fazem isso o tempo inteiro para identificar o local das próximas cenas: uma imagem (geralmente a mesma) da mansão onde mora Fulana, da vilazinha popular onde mora Sicrano, do edifício onde fica a empresa Tal... Mostra isso, corta para uma sala, e todo mundo já sabe onde está. 

Toda narrativa precisa dessas identificações rápidas. A mesma lei serve para identificar personagens. São combinações de vestuário e atitude que compõem um ideograma de leitura instantânea: o Executivo Estressado, o Malandro Cheio de Ginga, a Solteirona Fofoqueira, o Adolescente Problemático, o Intelectual Bitolado... Na primeira cena, o espectador já reconheceu, carimbou, rubricou.

Mas o espectador ou leitor tem também o seu desconfiômetro. Quando um número excessivo de clichês é enfileirado à sua frente, a credibilidade da história vai se esgarçando. Não porque ela fique inverossímil, mas porque fica verossímil demais, parecida demais com as outras histórias a que ele está acostumado. 

É uma espécie de Lei dos Rendimentos Decrescentes. Não basta colocar mais e mais e mais clichês, porque chega-se a um ponto em que eles atrapalham mais do que ajudam. A história precisa dar ao público a convicção (ou a ilusão) de que ele está vendo algo novo, de que não está comprando de novo algo que já tinha. 

Qualquer espectador gosta de um pouquinho de susto, um pouquinho de imprevisibilidade, quer ter também o direito de esperar o inesperado, quer o prazer de ser surpreendido. Mesmo que a surpresa sirva apenas para na cena seguinte ser fagocitada por outro clichê “desse” tamanho.






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