Alguns sistemas divinatórios acreditam que cada momento que vivemos faz parte de uma harmonia cósmica que obedece a um certo “tom” ou diapasão. Cada instante do Tempo tem um fator que lhe é característico, algo como uma cor ou uma nota musical.
Cabe ao adivinho captar esse fator e interpretar as ações passadas e futuras do consulente de acordo com esse vislumbre. Alguns jogam búzios, e interpretam o momento de acordo com as posições em que os búzios caem, as configurações que eles formam quando se imobilizam.
Outros, que praticam o I-Ching, fazem o mesmo ao escolher varetas de diferentes extensões, ou ao atirar moedas, e com isto compor hexagramas de linhas inteiras ou partidas.
O que é a posição dos búzios, ou o hexagrama assim obtido? É uma polaróide daquele instante, e revela, para o olho treinado do adivinho, qual é o “clima” daquele momento, sugerindo assim de que maneira o cliente pode se comportar para estar em harmonia com o ritmo das coisas.
O I-Ching pronuncia aquelas sentenças meio misteriosas, tipo “é conveniente atravessar a grande água” ou “o governante sábio pensa duas vezes antes de agir”. Isto não é, para quem acredita no sistema, um simples conselho – e conselho, afinal, qualquer um pode dar a qualquer um. É uma revelação sobre a dinâmica das forças do Universo naquele momento. Quem tem juízo marcha de acordo com ele.
O Repente tem algo em comum com estes processos. Feito na hora, no calor do momento, ele brota da mente de um poeta que está totalmente concentrado naquilo que faz, e compõe versos onde estão misturadas as suas emoções e as emoções da platéia, os assuntos que foram abordados até então, os acontecimentos da cidade e do mundo naquele dia, as pessoas presentes, os pequenos detalhes fortuitos que a todo instante se intrometem na cantoria.
Tudo isto são búzios e mais búzios que o poeta sacoleja no juízo e joga para o ar, ou, mais precisamente, são palavras que é preciso agrupar sempre em forma de sextilha, cuja semelhança gráfica com um hexagrama chinês nunca deixou de me maravilhar.
Certa vez, numa cantoria entre Otacílio Batista e Oliveira de Panelas, no Bar Canarinho, anotei esta sextilha de Oliveira:
Me rebolo como bola
me viro igual a bozó
de um lado sou como dado
do outro sou dominó
que se não tivesse os furos
seria uma coisa só.
É um ótimo verso, em que o poeta usa uma sucessão de formas geométricas.
Primeiro a bola, que caia como cair sempre cai do mesmo jeito.
Depois, o bozó ou dado, que é o contrário da bola, e a cada vez que é jogado cai revelando uma face diferente, servindo aqui como metáfora do próprio repente.
E por fim o dominó, que não é jogado ao acaso, mas deve ser conectado às peças que já saíram antes, e que, como a sextilha, tem a obrigação de “pegar na deixa”, rimando (no caso, numericamente) com a peça da ponta.
Será que o poeta pensou nisso tudo, ao compor o verso? Não importa. O Universo pensou por ele.
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