Existem poucas coisas tão fascinantes quanto a arte de Mágica de palco do século 19, aquela Arte-Ciência baseada em espelhos, luzes, fundos falsos, alçapões, engenhocas mecânicas ou elétricas cuidadosamente disfarçadas. E o objetivo disto tudo é o mesmo objetivo do Cinema: fazer o público pensar que está vendo coisas que na verdade não estão ali. O Ilusionista, segundo filme de Neil Burger, explora este universo muito próximo da narrativa fantástica, porque o tempo inteiro vemos coisas impossíveis acontecerem na nossa frente. Sabemos que é truque, sabemos até de que maneira o truque foi praticado, mas não deixamos de nos maravilhar.
Gostei do personagem do Príncipe Leopold, um racionalista empedernido, aquele típico intelectual cético que diante de uma mágica bem-feita sente-se inseguro, sente-se ameaçado, irrita-se, proclama que aquilo não passa de um truque, e tenta o tempo inteiro provar a todo mundo que é mais esperto do que o cara que fez o truque. Ou seja, é O Crítico (de cinema, literário, do que fôr) no que esta sofrida categoria tem de mais insuportável. Para ele é uma questão de vida ou morte, porque está a ponto de destronar o pai para assumir o Império, e não pode ser enganado impunemente por um simples prestidigitador. Eis um dos subtemas que percorrem o filme: quem tem mais poder, o sujeito que governa um Império ou um sujeito que faz uma árvore crescer e dar frutos diante dos nossos olhos?
Em sua segunda parte o filme penetra num terreno, a mistura entre magia de palco e espiritismo, que é a cara do ambiente em que transcorre, a Viena no fim do século, quando Freud estava começando a construir a psicanálise (vi um ou dois senhores barbudos na platéia do mágico Eisenheim que bem poderiam ser o nobre doutor). Era uma época em que nos salões intelectuais discutia-se o hipnotismo (chamado “mesmerismo”), a comunicação com os mortos, a telepatia. Quando Eisenheim “evoca” os ectoplasmas de pessoas mortas para o palco, estamos em plena terra-de-ninguém entre o mero ilusionismo e o sobrenatural. Muitos falsos médiuns ficaram ricos nessa época, usando a maquinaria do teatro para fingir a presença de espíritos desencarnados. O Ilusionista, que é também uma história de mistério policial, usa essa ambiguidade como efeito de suspense, ao trazer de volta à Terra o espírito da pessoa assassinada, para denunciar o criminoso.
O filme de Neil Burger tem uma superfície impecável (fotografia, atores, direção artística, música) e um roteiro curioso que me deu vontade de ler o conto original, de Stephen Millhauser. É uma história de mistério que na reta final usa aquele recurso que chamo de “clip explicatório”, já visto em filmes como O Sexto Sentido ou Os Suspeitos: uma rápida saraivada de imagens em flash-back que nos fazem reinterpretar cenas já vistas e descobrir, junto com o personagem, o que realmente aconteceu. Não vou dizer para não estragar o truque.
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