Faz uns quinze anos. Eu tinha ido passar o feriadão na fazenda de um amigo, no interior de Pernambuco. Perto de lá ficavam as ruínas de um antigo Engenho abandonado.
Durante o dia a gente caminhava e tomava banho de rio (era uma turma de oito ou dez pessoas); de noite, cerveja e violão. Depois do terceiro dia ninguém agüentava mais uma rotina tão estafante. Começamos a procurar alternativas.
O dono da casa sugeriu que ficássemos fazendo hora até meia-noite e fôssemos para as ruínas do Engenho, aproveitando que era noite de lua. Por quê?, perguntamos. Ele explicou que o Engenho era mal-assombrado, e que à meia-noite apareciam coisas esquisitas lá. As esposas (havia várias esposas na turma) disseram que “nem mortas”, e que fôssemos nós, o contingente masculino. Um dos caras piscou o olho discretamente e disse que tudo aquilo era pretexto nosso para um encontro clandestino com algumas moçoilas da vila próxima. Houve um certo reboliço, e, para encurtar a história, acabou indo todo mundo.
O trecho acima é mentira, ou ficção, se quiserem. Inventei-o apenas para enaltecer as virtudes dramatúrgicas desta expressão, “para encurtar a história”, cuja utilidade nunca pode ser superestimada quando se trata da Arte da Narrativa.
O leitor já terá ouvido referências ao Paradoxo de Zenão de Eléia; se não ouviu na Faculdade, ouviu aqui nesta coluna, que não fica devendo a muitas Faculdades que tem por aí (“O Paradoxo de Zenão”, 24.8.2005). É aquela situação filosófica em que antes de tomar uma decisão o sujeito examina um número tão grande de alternativas ou possibilidades que a decisão nunca chega a ser tomada.
Do ponto de vista literário, isto se manifesta através de cenas onde personagens estão discutindo algo, e o autor, inebriado pela própria capacidade de saltar da mente de um para a mente do outro, e do outro, e do outro, acaba redigindo uma discussão interminável, cuja primeira consequência é fazer o leitor largar o livro e pegar outro.
Surge então esta agudíssima espada capaz de cortar de um só golpe o mais complicado nó dramatúrgico: “para encurtar a história”. Use-a com parcimônia, caro candidato a escritor, mas use-a sempre que sentir seus pés afundando na areia movediça de uma troca de argumentos onde ninguém consegue desferir o golpe final.
Voltemos à nossa ficçãozinha aí em cima. Se isso for um conto, é claro que os rapazes e as moças discutiram por algum tempo mas acabaram indo ver o Engenho assombrado, sem o qual não haveria história digna de ser contada, não é mesmo? Botar personagens para discutir vantagens e desvantagens de algo, contudo, é uma armadilha onde a maioria dos ficcionistas novatos cai, e nunca mais consegue sair. Ele mostra um lado, o outro, um lado, o outro...
Então, chega! O leitor já entendeu. O leitor quer ver serviço. Então, amigo, não hesite. Enfie a mão no bolso do colete, e puxe o papelucho mágico, onde está escrito: “Para encurtar a história...”
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