Ariano Suassuna conta que na adolescência gostava de futebol mas era um verdadeiro perna-de-pau. Quando era estudante do Colégio Americano Batista, só jogava porque era amigo do capitão do time, Isaac Ribeiro.
Isaac procurava mantê-lo longe das duas áreas, para não fazer muita besteira, e o escalava como lateral esquerdo, aconselhando: “Quando a bola chegar perto de você, chute pra fora. Se o jogador chegar perto, faça uma falta”. E ele obedecia.
Um dia, fez tantas faltas que o ponta-direita adversário se irritou, deu-lhe um murro e foi expulso. O time de Ariano ficou com um a mais e acabou ganhando.
Noutra ocasião, a bola passou por perto e ele, apavorado, encheu o pé, mandando-a para a frente, o mais longe possível. Aí deu as costas, saiu andando, e quando viu o time todo pulou em cima dele, derrubando-o no chão, e o amigo Isaac berrava: “Arretado, tu fizesse um gol!” Foi o gol da vitória. E o artilheiro confessa, com candura: “Eu tive uma emoção tão grande que vomitei”.
Para sorte da Literatura Brasileira, isso se deu lá pelos anos 1940. Se fosse hoje, o jovem estudante teria grandes chances de fazer um teste no Sport, ser aprovado, e virar jogador profissional. Porque, vamos e venhamos, a maioria dos jogadores que vemos disputando o Campeonato Brasileiro parece ter recebido as mesmas instruções que Ariano recebia de Isaac, e tentam cumpri-las à risca.
Eu tenho uma verdadeira alergia mental a futebol mal jogado (há razões freudianas para isto: sou tão perna-de-pau quanto Ariano), e mesmo nas grandes equipes brasileiras e européias tem jogadores que eu fico matutando quem diabo colocou aquele cara ali.
São brucutus, brutamontes, arranca-tocos, massas de ossos e músculos com duas chuteiras numa extremidade e uma careca na outra. Estão por toda parte, inclusive Barcelona, Real Madrid, Milan, Arsenal, Liverpool, qualquer time bom que a gente vê jogando.
Um lado maldoso que tenho em mim me explica que é a globalização do futebol, a busca permanente dos resultados. E a verdade é que, digam o que disserem os idealistas como eu, muitas vezes você garante um resultado chutando a bola para fora e fazendo falta no ponta.
Às vezes cabe até a um sujeito assim fazer o gol que fica na história, como ocorreu como Ariano e também com Belletti, no Barcelona. São jogadores no diapasão “da garra, da determinação e da busca-do-objetivo”.
Existe, contudo, um lado poético que me diz o contrário. O futebol é algo tão belo e fascinante que desperta paixão até mesmo nos que a Natureza não aparelhou para praticá-lo. Esses jogadores amam o futebol com o amor bronco e troglodita de Zampanò por Gelsomina em La Strada de Fellini: amam-no por ser a promessa de uma beleza e uma inocência que lhes é para sempre vedada.
Ergo um brinde à arte do futebol, uma arte tão bela que até mesmo nós, os pernas-de-pau, que não jogamos nada, enchemos os olhos de lágrimas quando o vemos ser bem jogado.
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