(Tia Ciata)
Alguns meses atrás comentei o falecimento do jornalista Roberto Moura, vítima da febre maculosa que atacou algumas pessoas aqui no Estado do Rio, e me referi a ele como autor de dois livros sobre história do samba: No princípio era a roda (que comentei) e Tia Ciata e a Pequena África do Rio de Janeiro. Cometi um erro. Este último livro tem como autor um outro Roberto Moura, cineasta e professor da Universidade Federal Fluminense. O falecido, aliás, assinava-se “Roberto M. Moura” para evitar confusões como esta. Já me desculpei junto aos envolvidos, e agora peço desculpas aos leitores que porventura acreditavam na minha infalibilidade. Caveat lector! Também cochilava o bom Homero.
Pra não perder a viagem, quero comentar o excelente livro do cineasta Moura sobre Tia Ciata. Publicado pela Funarte em 1983, o livro é resultado de uma pesquisa para a realização de filmes sobre a história do samba. Moura descreve com riqueza de detalhes a vida das comunidades negras na virada do século passado, principalmente nos antigos bairros do centro da cidade, que depois foram “passados no rodo” para a construção das modernas avenidas. Ali era, entre outras coisas, onde se instalavam os migrantes vindos da Bahia, do mesmo modo como décadas mais tarde São Cristóvão virou o polo atrator dos nordestinos.
A intensa vida social e cultural desses bairros do Centro do Rio tem uma história fascinante, e é bem oportuna a observação de que o samba, ou pelo menos a variante carioca que se consagrou, não nasceu no morro: nasceu no asfalto, na Pequena África, e foram as reformas urbanistas que expulsaram dali os seus criadores, levando-os a ir morar nos morros em volta.
Tia Ciata, nascida em Salvador em 1854, chegou com 22 anos no Rio de Janeiro e tornou-se uma espécie de primeira dama das comunidades negras da Pequena África. Enquanto no alto da pirâmide social sucediam-se Império e República, e as elites do Rio e de Salvador dedicavam-se à ópera, aos salões de valsas e às modinhas, nas profundezas subterrâneas das comunidades negras fermentava aquilo que viria a ser o samba do século 20. A ligação profunda entre negros baianos e negros cariocas (da qual um resquício evidente é a obrigatoriedade da “ala das baianas” nas Escolas de Samba de hoje) era alimentada através de idas e vindas, migrações, viagens, um intenso troca-troca de informações, ajudas, solidariedades profissionais e econômicas que não deixa de me lembrar muito o processo parecido que se deu com os nordestinos do Campo de São Cristóvão. Desconheço se o livro de Roberto Moura foi reeditado; se não foi, merece uma reedição urgente, ainda mais agora que têm surgido livros reveladores sobre a história do Samba e teses que merecem atenção, como as de Hermano Vianna (O Mistério do Samba), Alejandro Ulloa (Pagode – A festa do samba no Rio de Janeiro e nas Américas), e Partido Alto – Samba de Bamba de Nei Lopes.
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