Até que ponto a fé religiosa de um artista influencia o seu estilo, as suas opções estéticas, o seu relacionamento com as técnicas que usa? Não estou me referindo ao “conteúdo”, às idéias. É natural que os temas de um muçulmano sejam ligeiramente diversos dos de um budista (embora não necessariamente). Minha curiosidade se volta para o caso da ficção científica, porque volta e meia leio nas revistas especializadas menções ao fato de que este ou aquele autor é católico – o que nos EUA é uma nítida minoria. Os casos mais notórios são de Gene Wolfe, Tim Powers, Walter M. Miller Jr. (autor de Um Cântico para Leibowitz). Haverá uma diferença entre eles e os demais? Formulando a pergunta de outra maneira: a literatura de um católico é diferente da de um protestante? A noção de Realismo Literário de um é diferente da do outro?
Vou arriscar aqui uma teoria meio improvisada que ainda não estou enxergando com plena nitidez. O mundo icônico de um protestante é mais pobre, mais seco, mais sertanejo do que o de um católico. Os protestantes não usam imagens nas paredes, não adoram santos, não fazem promessas, novenas ou romarias, não reverenciam relíquias ou amuletos. A face visível, material, da sua fé, é de um notável minimalismo. Vista por dentro, uma igreja protestante parece a sede de uma Associação de Moradores de Bairro. A fé protestante é abstrata, invisível, subentendida.
Digo isto com todo respeito, meus camaradinhas, até porque, não sendo nem protestante nem católico, minha atitude para com ambas as crenças não é de recusa: é de curiosidade, interesse, vontade de entender por que é que eles crêem daquela forma. Porque quando me viro para a fé católica, vejo uma proliferação exuberante de projeções humanas. O catolicismo e a arte barroca têm muito em comum. Entrem numa sala de ex-votos de uma igreja tradicional. Mãos, pés, cabeças, retratos, pinturas... Ao lado, a nave principal do templo está cheia de santos, anjinhos barrocos, madonas, vias sacras, anunciações, calvários, cordeiros de Deus. É uma gigantesca galeria de imagens animistas. Iconicamente, o Catolicismo é de um antropomorfismo total. Compará-lo ao Protestantismo é comparar Michelangelo a Mondrian.
Se um artista crê de fato na fé que diz professar, não há como não absorver o lado visível dessa fé, sua faceta estética, até porque, sendo artista, esse lado é um dos primeiros em que presta atenção. Não chegarei ao mecanicismo extremo de dizer que a crença dum artista determina seu estilo, mas não há dúvidas de que um católico se sente muito mais à vontade para manejar imagens antropomórficas do que um protestante ou um muçulmano, que talvez não as vejam com os mesmos olhos e não se sintam totalmente autorizados a manipular este tipo de material. Alguma diferença há de haver, porque mesmo sendo a medula das duas crenças semelhante, é no lado expressivo, a manifestação exterior, que divergem.
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