A obra de Julio Verne foi a primeira a misturar com sucesso o conceito de aventuras geográficas e o de especulação científico-tecnológica. Outros o tentaram antes; nenhum o conseguiu com tal brilhantismo, nem provocou impacto tão duradouro. As “viagens extraordinárias” de Verne são lidas com fervor por garotos adolescentes e, mesmo que venham depois a ser esnobadas, e trocadas pelos inevitáveis Balzac ou Flaubert (para ficarmos apenas nas letras francesas), a impressão que deixam é profunda.
Verne encarnou um curioso aspecto dualista da aventura colonial. Por um lado, as nações européias dedicaram todo o século 19 à descoberta, conquista e exploração dos recantos mais remotos do mundo. Os europeus desse tempo pareciam imbuídos duma fascinação pelo exótico, pelo misterioso, pelo desconhecido. Era um tal de embrenhar-se na selva, escalar as cordilheiras, cruzar os desertos, navegar para além do crepúsculo... O romance de aventuras, como gênero literário, nasceu nesse tempo. Surgiram escritores capazes de infundir beleza, poesia e excitação à Aventura – uma atividade que, vamos e venhamos, consistia apenas em fazer imensos esforços físicos, passar por privações, e correr perigo de vida.
Muitos o fizeram pela ambição do enriquecimento, alguns por interesse científico, outros por achar que era aquilo que a Pátria esperava deles. Mas o romance de aventuras (Verne inclusive) nasceu da noção de que era belo e excitante ir em busca do desconhecido. Era a atração do mistério que os levava à nascente do Congo, à jângal de Bornéu ou às geleiras do Polo.
O que impelia esses aventureiros, no entanto, era um impulso inverso ao sonho que aparentemente os motivava. O que aguçava essa fome de mistério era justamente a ansiedade que a civilização burguesa e tecnológica experimenta diante do mistério, do desconhecido, do imprevisível, do imponderável. Para essa sociedade (que hoje vive nos EUA sua mais recente mutação: o Complexo Industrial-Militar insuflado pelo espírito conservador e expansionista do Evangelismo de Direita) todo mistério é perigoso. Tudo precisa ser sabido, tudo deve ser quantificado e registrado, para que fique sob vigilância e controle, e não possa vir a ser uma ameaça. Ela ama o mistério como o caçador ama a caça que sonha em abater.
É irônico que os grandes aventureiros sejam também os grandes coveiros da aventura. Porque tudo que descobrem eles entregam de mão beijada ao espírito anexador da sociedade burguesa. Assim como a grama não mais crescia por onde passava Átila, o rei dos hunos, por onde passam os grandes aventureiros e exploradores o mistério vai deixando de existir. Verne foi um escritor de aventuras que recuava cautelosamente diante do fantástico, diante do misterioso e do inexplicável. Seus heróis percorrem todo o globo terrestre atraídos pelo mistério, mas é para extinguir esse mistério que arriscam suas vidas
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