quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

0672) Ler e ver (14.5.2005)




(cartum de Caco Galhardo)

No debate sobre a competição “livros x TV” temos partidários do livro que atribuem à TV todos os males da humanidade, a transmissão de idéias nocivas, e o embotamento mental dos jovens. No campo oposto, os partidários da TV anunciam que a era do livro acabou, e quem é contra os meios eletrônicos de comunicação é uma meia-dúzia de intelectuais jurássicos que gostariam de congelar a civilização no século 19. Ambos (preciso dizer?) estão errados.

Acho que a TV parece mais com uma revista do que com um livro. A brevidade no trato dos assuntos, a relativa superficialidade, a linguagem mais aberta e descomplicada, a variedade e descontinuidade entre os temas. São experiências distintas da leitura de um livro, onde se supõe que haja uma leitura linear, de um único texto, de A a Z. (Claro que existem livros sobre assuntos variados, mas preciso generalizar.) Porque o que se defende, ao defender a leitura de livro, principalmente para crianças e jovens, é uma série de hábitos mentais – que a TV não cultiva, não porque não queira, mas porque não está ao seu alcance.

Número 1: concentração. A TV proporciona experiências fragmentadas, onde o programa padrão mais longo tem uma hora. Alguém aí conhece um programa de TV que explore o mesmo assunto durante 3 ou 4 horas seguidas? E é justamente essa concentração, essa continuidade de foco durante horas seguidas, que o livro exige do leitor. O leitor de livro acostuma-se a concentrar sua mente durante horas num mesmo conjunto de idéias, sem “mudar de canal”. A mente de quem vê apenas TV sofre de uma espécie de ejaculação precoce. Com poucos minutos “dá por visto” e quer ver outra coisa.

Número 2: abstração. A palavra serve para abstrair, generalizar. Os meios audiovisuais são excessivamente sensoriais e concretos. Já notei que essa garotada de 10 ou 12 anos tem dificuldade de resumir uma história. Quando a gente pergunta como foi o episódio do desenho animado, eles o recontam todo, cena por cena, diálogo por diálogo. São incapazes de resumir uma narração: “Eles chegam num planeta que é cheio de praias, sol, etc., e descobrem que os caras de lá querem vir morar na Terra, aí depois de muitas discussões eles entregam a nave pros caras virem, e ficam morando lá”. Garotos têm dificuldade de fazer esse tipo de abstração. Memorizam o concreto como ninguém; mas não sabem ir além dele.

Número 3: fecundação lingüística. Ver filmes ou TV não faz de ninguém um diretor, por mais que aguce nossa sensibilidade e memória visual. Mas a experiência de ler mobiliza de imediato todos os nossos recursos de assimilação verbal, ensina nossa mente a raciocinar verbalmente, dá instrumentos a nossa expressão. É um processo educativo que é mais intenso quando lemos uma grande obra literária, mas que também ocorre em níveis mais elementares. Abrir mão de ler nos deixa privados do melhor treinamento que existe para essas três habilidades, que não se aprendem na escola.



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