terça-feira, 20 de maio de 2008

0399) Mário Schenberg (30.6.2004)



Costuma-se dizer que alguns dos homens mais influentes na história da humanidade nunca escreveram um livro: Sócrates, Buda, Jesus Cristo. Para nossa civilização tão dependente da palavra escrita parece difícil ser um Mestre sem ter produzido um calhamaço de ensinamentos, mas os exemplos são numerosos. Um caso bem curioso e bem brasileiro é o do físico Mário Schenberg, um dos nossos cientistas mais anti-convencionais e mais influentes. O pensamento de Schenberg, generosamente distribuído com seus alunos ao longo de décadas de ensino e pesquisa, nunca foi posto no papel por ele próprio. Schenberg não escreveu livros, mas depois de sua morte em 1990 seus discípulos têm se dedicado à tarefa de organizar suas idéias, sua visão do mundo e do papel do cientista, em livros como Pensando a Física e Pensando a Arte (Nova Stella Editorial), e Voar Também é com os Homens, organizado por José Luiz Goldfarb (Edusp).

Apesar de ter se dedicado por décadas à vida acadêmica, Mário Schenberg nunca foi um intelectual fechado num gabinete, e é um dos poucos brasileiros de quem pode-se dizer que se dedicaram com a mesma intensidade à Ciência, à Política e à Arte. Foi eleito deputado pelo Partido Comunista; cassado, impedido de lecionar, passou anos ganhando a vida como crítico de arte. Nos três domínios em que atuou, Schenberg sempre foi um sujeito imprevisível, com idéias próprias que muitas vezes iam de encontro à ideologia dominante. Não são muitos os cientistas capazes de dizer, como ele: “Tenho experiências extremamente estranhas, sobretudo experiências de identificação com pedras, árvores e plantas. Essa experiência às vezes é muito intensa, muito violenta, especialmente com as árvores e as pedras. Acho que tenho uma capacidade de viver certas experiências sem recalques, experiências que talvez em outras pessoas estejam recalcadas.”

Suas aulas eram muitas vezes conferências improvisadas, sobre um assunto escolhido de antemão. Em vez da costumeira aula previamente preparada na “ficha”, ele costumava anunciar um tema e começar a discorrer sobre ele, em voz pausada, com os olhos semicerrados, como se estivesse visualizando a extensão inteira do assunto que abordava e escolhendo, meio de improviso, os aspectos que naquele momento lhe interessava destacar, para aquele grupo específico de alunos. Dizia ele: “Sou uma pessoa de tendências intuitivas, não sou de muito raciocínio. Comporto-me como a minha intuição me sugere, desde a maneira de dar uma aula. Posso ter preparado a aula e, ao chegar à sala, mudar completamente, porque na hora surgiu outra idéia, e vou atrás daquela do momento, que me fascina mais.” É um tipo de aula que, decerto, só funciona com um grupo de alunos capacitados para acompanhar o professor nesses vôos de imaginação em busca da solução de um problema. Schenberg não era, certamente, o professor indicado para aqueles alunos que erguem o dedo e perguntam: “Vai cair na prova?...”

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