Conheço gente que fêz poupança quinze anos, até comprar uma casa com duas garagens, quintal, piscina e quatro quartos (duas suites). Conheço gente que trabalhou dezesseis horas por dia a partir dos 18 anos, e aos 30 tinha um apartamento de cobertura e dinheiro suficiente no Banco para viver de rendas até morrer de vodka ou de tédio. Conheço gente que todos os meses, chova ou faça sol, separa 10% do que ganha e investe em fundos de renda fixa. O que têm em comum essas pessoas? Eu diria que elas têm em comum o fato de que não acreditam em Loteria. Todas acreditam na lei do lento acúmulo de recursos, que faz o sujeito, um belo dia, parecer ter ficado rico de uma hora para outra.
Por outro lado, todos os dias milhões de brasileiros se enfileiram nas casas lotéricas para apostar na Mega-Sena, na Loto, na Loteca e em todas as variantes dessa curiosa religião randômica que faz uma população inteira apostar um centavo na esperança de ganhar um milhão. À primeira vista, essa sede de enriquecimento fácil não tem nada a ver com a rapaziada descrita mais acima – os que rezam na Bíblia do trabalho duro, e crêem no lento acumular de centavos até que o milhão se complete, décadas depois.
Vendo esses dois grupos tão diferentes eu percebo o quanto o trabalho literário (o trabalho artístico em geral) se parece com ambos. Um paradoxo danado, mas é verdade. O sujeito que escreve livros deposita todos os dias, na ranhura de algum porquinho-de-barro da opinião pública, seus centavozinhos de auto-investimento. O livro não vende nem metade da edição? A imprensa faz um silêncio sepulcral? Os amigos agradecem, fazem elogios vagos, e desconversam? E daí? O escritor parte para o próximo, ciente de que na maioria das vezes não é uma obra-prima isolada que faz a fama literária, e sim a lenta sedimentação de título após título, percutindo na memória do público e dos resenhadores. Muitas águas vão ter que rolar, mas aos poucos cresce uma estalactite de notoriedade cercando o nome do poeta que, bem ou mal, publicou vinte títulos em vinte e cinco anos. Não é uma Mega-Sena, concordo. Mas dá para o sujeito fruir uma fama simbólica à beira de uma piscinazinha metafórica.
Não é diferente do sujeito que quer ser Paulo Coelho ou J. K. Rowling. O livro não vendeu? O palpite não cravou uma dezena sequer? Não importa. Os milhões virão com o próximo. Cada vez que ele despacha um novo original pelo Sedex, é como se dissesse: “Desta vez fico rico.” Ele sabe que depois de dez retumbantes fracassos pode vir um sucesso mais retumbante ainda, conforme leu em dezenas de biografias dos-que-chegaram-lá. (É engraçado – ninguém escreve biografias dos que-não-chegam-lá.) Ele sabe que a Loteria da Literatura é a única em que o valor das apostas semanais vai se acumulando numa Caderneta de Poupança em nosso benefício, caso a sorte grande não chegue. E pra que coisa mais melhor?
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